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Plano Diretor:
Funções sociais da cidade e da propriedade e a sua sustentabilidade

Arquiteto Hermes de Assis Puricelli 

Arquiteto Hermes de Assis Puricelli 

Aposentado da Secretaria do Planejamento Municipal (SPM) – Conselheiro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande do Sul (SAERGS) - Associado Astec

Eng. Civil Maércio de Almeida Flores Cruz 

Eng. Civil Maércio de Almeida Flores Cruz 

Aposentado da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM), Conselheiro da Astec - Associado Astec

Plano Diretor

Fonte: Freepik

Nos orgulha muito o convite para escrever sobre Plano Diretor de Porto Alegre (PD), para a revista da Astec, dirigida a técnicos científicos do município, o que, na mesma medida, aumenta nossa responsabilidade.

Escrever sobre o Plano Diretor para técnicos é como escrever sobre a Constituição Federal para juristas.  O PD está para a cidade, assim como a Constituição está para o País.

A Lei nº 10.257 de 10/07/2001, denominada Estatuto da Cidade (EC), regulamentou os artigos nº182 e 183 da Constituição Federal e estabeleceu normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança, do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental (art. 1º, parágrafo único do EC).

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O Plano Diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes. Tem por objetivo ordenar as funções sociais da cidade, garantir o bem-estar de seus habitantes e o equilíbrio ambiental. Deve regulamentar a função social da propriedade, o parcelamento do solo, garantindo o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer para a atual e as futuras gerações. Deve, ainda, garantir a gestão democrática da cidade, por meio da participação popular e de vários segmentos da sociedade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. 

 

No caso de Porto Alegre, as primeiras investidas no ordenamento da cidade datam do fim do século XIX, quando a população era de aproximadamente 50 mil habitantes, a qual, nas duas primeiras décadas do século XX, cresceu para cerca 180 mil habitantes. Naquela época, surgiram faculdades como a Escola de Engenharia e o parque industrial do 4º Distrito.

Em 1914, foi elaborado, pelo arquiteto João Moreira Maciel, o “Plano de Melhoramentos”, considerado o 1º Plano Diretor de Porto Alegre, voltado para a estrutura viária, com o planejamento de avenidas como a Farrapos, Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, entre outras, assim como a retificação do Arroio Dilúvio.  

O 2º PD de Porto Alegre foi elaborado entre 1938 e 1942, sob a égide do modernismo, após o 4º Congresso de Arquitetura Moderna realizado em 1934 em Atenas, desenvolvido pelo arquiteto Arnaldo Gladosch, com preocupações oriundas do urbanismo modernista. Continha, entre outros, o sistema viário, as áreas verdes, a identificação de áreas de enchentes, o zoneamento industrial e o estudo de densidades adequadas.  

Aprovado em 1959 e consolidado em 1961 (Lei nº 2330/61), o 3º PD foi antecedido por pesquisas econômicas, sociais e dos aspectos físicos da cidade. Surgiram, assim, o Loteamento da Ilhota, da Praia de Belas, a Perimetral, os zoneamentos de usos, organizando a cidade em áreas residenciais, comerciais e industriais e cria limites para a densificação da cidade e regras para a ocupação dos terrenos e das alturas, entre outras.  

 

Implantado em 1979 (Lei nº 43/1979), 20 anos após o anterior, o 4º PD foi denominado 1º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Elaborado em período de exceção do regime político, além de uma revisão, introduziu novos temas como a preocupação com o meio ambiente, o surgimento de grandes vazios urbanos oriundos do processo de especulação da terra e a participação da população na concepção de programas urbanos. Um grande diferencial do 1º PDDU foi a criação da Secretaria do Planejamento Municipal (SPM), estrutura administrativa multidisciplinar que contou com um número elevado de técnicos especialistas, além da UFRGS, Metroplan e outros.

 

A concepção de cidade surgiu a partir de um grande modelo, no qual estariam inseridas Unidades Territoriais de Planejamento como se fossem várias pequenas cidades dentro de uma cidade maior. Essas unidades se diferenciariam pelo uso, pelas características morfológicas, estrutura viária, patrimônio ambiental e edificado, entre outros, e seriam classificadas de acordo com sua predominância como residencial, mista, industrial e de comércio e serviços. Eram circundadas por vias hierarquizadas entre si que as interligavam. 

 

O 5º PD, ou Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), entrou em vigor a partir de 1999 (LC nº 434/1999), também 20 anos após o anterior, num período de efervescência nacional, marcado pelo fim do regime militar, pela redemocratização, sob a vigência da nova constituição de 1988, o que propiciou abertura política e grandes debates. Em 1989, aconteceu, em São Paulo, o II Fórum Nacional sobre a Reforma Urbana, onde borbulharam premissas como a função social da propriedade, o direito à cidadania, a gestão urbana democrática, os direitos dos cidadãos aos serviços urbanos. Tudo isso se refletiu no PDDUA de 1999, mais participativo, com maiores liberdades de criação, intensa preocupação com o ambiente natural e a preservação dos bens públicos, fossem edificados, naturais, culturais.

 

Surgiram também os Projetos Especiais, cujo objetivo era possibilitar aos grandes empreendimentos ou grande projetos que tinham uma característica especial – seja pela atividade, pelo porte, pela paisagem natural e/ou construída – qualificar mais os espaços urbanos a partir de regras próprias a serem ajustadas, consertadas com a comunidade, com o filtro necessário do CMDUA.

Na prática, o que percebemos é o uso desse instrumento quase que exclusivamente para beneficiar grandes empreendimentos e a elitização dos espaços públicos e, consequentemente, a expulsão das populações originárias desses espaços, num processo de segregação urbana, com ênfase na reprodução capitalista. Exemplos recentes são a ocupação/privatização da área de preservação conhecida como Fazenda do Arado, em Belém Novo (Estudo de Viabilidade Urbanística já aprovado); as torres a serem construídas junto a uma área pública doada ao Spor Club Internacional; assim como alguns condomínios que chegam a ser chamados de “bairros privativos”, junto ao Jockey Club. Essas iniciativas estão fazendo com que nossa cidade perca a função original de congregar as pessoas, da convivência urbana, da paisagem urbana, nos tornando, cada vez mais, seres individualistas e segregacionistas, contrariando todos os princípios norteadores de uma cidade saudável e para todos. 

 

Os planos seguintes caracterizaram-se por adequações, muitas delas para atender pressões de setores empresariais da construção civil, para a liberação das alturas das edificações, assim como atividades antes não permitidas e/ou regulamentadas (LC nº 646/2010, logo absorvida pela LC nº 667/2011). 

Nesse contexto, o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre (CMDUA), criado em 1933, pelo Prefeito José Loureiro da Silva, inicialmente, com caráter consultivo, passou a ter um caráter deliberativo. Atualmente, o CMDUA é composto por 27 conselheiros, mais o seu presidente, que é o secretário da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smamus), sendo sete conselheiros indicados pelo governo, um indicado pela UFRGS e um indicado pela Metroplan, mais cinco representantes de entidades de classe e afins ao planejamento urbano, dois representantes de entidades ambientais e instituições científicas e dois representantes de entidades empresariais, preferencialmente, da área da construção, e, finalmente,  nove representantes da comunidade, sendo oito conselheiros de cada uma das Regiões de Planejamento e um conselheiro representante do Orçamento Participativo. O Conselho elege dois suplentes para a presidência, um eleito entre as entidades e um eleito entre as Regiões de Planejamento.  

A atual gestão do CMDUA foi constituída pela Portaria nº 213, de 15/06/2018. A posse dos conselheiros ocorreu em 25/06/2018, para uma gestão de dois anos, que deveria se encerrar no dia 24/06/2020, entretanto, devido à pandemia, o atual mandato foi prorrogado por três vezes, até 31/12/2022.

A composição do Conselho é desequilibrada pró-governo, onde um terço dos conselheiros, via de regra, são indicações de cargos comissionados e/ou chefias com funções gratificadas, usados para manter a fidelidade das votações em assuntos de interesse governamental.

No fim deste ano, teremos novas eleições para CMDUA, cujo mandato deverá iniciar a partir de janeiro de 2023, com a tarefa principal de acompanhar a revisão do atual PD pelos próximos dois anos. Espera-se, para esse período, a adoção de um modelo de desenvolvimento urbano que garanta o respeito à nossa história, ao meio ambiente, à permanência das comunidades originárias, dos quilombos urbanos e retomadas indígenas, à função social da cidade, da propriedade e da sustentabilidade, bem como a revisão (ou extinção) do Instrumento dos Projetos Especiais, que hoje violam o Plano Diretor e trazem impactos negativos à cidade. Com isso, evitar-se-ia que esse instrumento possibilitasse que o empreendedor, mediante uma Operação Concertada, se tornasse um “predador”.

Se for mantida a Operação Concertada, que haja obrigatoriamente a participação popular neste instrumento!

Referências Legislativas

BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm

Acesso em: 6 jul. 2022.

PORTO ALEGRE. Portaria nº 213,  de 15 junho de 2018. Diário Oficial de Porto Alegre [DOPA], 15 jun. 2018,  Porto Alegre, ano 23, n.5.773, 15 de jun. 2018.

Disponível em: https://dopaonlineupload.procempa.com.br/dopaonlineupload/2532_ce_20180615_executivo.pdf
Acesso em: 19 jul. 2022.

 

PORTO ALEGRE. Decreto nº 20.013, de 15 de junho de 2018. Determina a organização e a estrutura do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) e revoga o Decreto nº 16.836, de 25 de outubro de 2010, de  15 de junho de 2018. Porto Alegre: Leis Municipais, [2020]. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rs/p/porto-alegre/decreto/2018/2002/20013/decreto-n-20013-2018-determina-a-organizacao-e-a-estrutura-do-conselho-municipal-de-desenvolvimento-urbano-ambiental-cmdua-e-revoga-o-decreto-n-16836-de-25-de-outubro-de-2010?q=20013. Acesso em: 19 jul. 2022.

 

Referências dos Planos Diretores

PORTO ALEGRE. Lei nº 2330, de 29 de dezembro de 1961. Altera a Lei nº 2046, de 30 de dezembro de 1959 e dá nova redação [Plano Diretor do Município de Porto Alegre]. Porto Alegre: Leis Municipais, [2015]. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/lei-ordinaria/1961/233/2330/lei-ordinaria-n-2330-1961-altera-a-lei-n-2046-de-30-de-dezembro-de-1959-e-da-nova-redacao?q=2330. Acesso em: 6 jul. 2022.

 

 

PORTO ALEGRE. Lei complementar nº 43, de 21 julho de  1979. Dispõe sobre o desenvolvimento urbano no município de Porto Alegre, institui o primeiro Plano-Diretor de Desenvolvimento Urbano, e dá outras providências. Porto Alegre: Leis Municipais, [2015]. Disponível em:

https://leismunicipais.com.br/a/rs/p/porto-alegre/lei-complementar/1979/4/43/lei-complementar-n-43-1979-dispoe-sobre-o-desenvolvimento-urbano-no-municipio-de-porto-alegre-institui-o-primeiro-plano-diretor-de-desenvolvimento-urbano-e-da-outras-providencias Acesso em: 6 jul. 2022.

 

 

PORTO ALEGRE. Lei complementar nº 434, de  1º de dezembro de 1999.  Dispõe sobre o desenvolvimento urbano no Município de Porto Alegre, institui o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre e dá outras providências. Porto Alegre: Leis Municipais, [2022]. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a1/plano-diretor-porto-alegre-rs   Acesso em: 6 jul. 2022.

 

PORTO ALEGRE. Lei complementar nº 646, de 22 de julho de 2010. Altera e inclui dispositivos, figuras e anexos na Lei Complementar nº ,434 de 1º de dezembro de 1999 - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (Pddua) -, e alterações posteriores, e dá outras providências. Porto Alegre: Leis Municipais, [2015]. Disponível em:

https://leismunicipais.com.br/a/rs/p/porto-alegre/lei-complementar/2010/64/646/lei-complementar-n-646-2010-altera-e-inclui-dispositivos-figuras-e-anexos-na-lei-complementar-n-434-de-1-de-dezembro-de-1999-plano-diretor-de-desenvolvimento-urbano-ambiental-de-porto-alegre-pddua-e-alteracoes-posteriores-e-da-outras-providencias   Acesso em: 6 jul. 2022.

 

PORTO ALEGRE. Lei complementar nº 667, de 3 de janeiro de 2011. Altera a redação do § 7º e inclui § 7º - a no art. 52 da Lei complementar nº 434, de 1º de dezembro de 1999, e alterações posteriores, dispondo acerca das edificações da macrozona 1, em caso de aquisição de índices adensáveis (ia) oriundos da transferência de potencial construtivo ou de aquisição de solo criado. Porto Alegre: Leis Municipais, [2011]. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/lei-complementar/2011/67/667/lei-complementar-n-667-2011-altera-a-redacao-do-7-e-inclui-7-a-no-art-52-da-lei-complementar-n-434-de-1-de-dezembro-de-1999-e-alteracoes-posteriores-dispondo-acerca-das-edificacoes-da-macrozona-1-em-caso-de-aquisicao-de-indices-adensaveis-ia-oriundos-da-transferencia-de-potencial-construtivo-ou-de-aquisicao-de-solo-criado?q=667   Acesso em: 6 jul. 2022.

Artigos | Revista da Astec v. 22, n. 49,  agosto de 2022.

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