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SMOV: por que preservar?

Sergio Marques

Arq. Sergio M. Marques

Prof. Depto Arquitetura e Propar/FAUFRGS - Secretário Executivo Docomomo – Núcleo RS - Filho de Moacyr Moojen Marques - Associado Astec

SMOV

Prédio da SMOV (início dos anos 1970 ) / Fonte: João Alberto

Em 2017, dois técnicos aposentados da Prefeitura Municipal de Porto alegre, arquitetos Helton Estivalet Bello e Cristiane Grossi, solidários ao entendimento sobre Arquitetura Moderna Brasileira como patrimônio histórico, procuraram o Docomomo¹ Núcleo RS, com a proposta de iniciar processo para preservação do edifício-sede da Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA). Após pesquisa e trabalho conjunto, foi elaborado o documento "Edifício-Sede da SMOV - Instrução de Tombamento", protocolado na Equipe do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (EPHAC) do município, em 2018. O encaminhamento ficou a cargo do Sindicato de Arquitetos do Estado do Rio Grande do Sul (SAERGS), acompanhado de cartas de apoio do Docomomo Brasil e do Instituto de Arquitetos do Brasil/ Departamento do Rio Grande do Sul (IAB/RS).

Recentemente, com a veiculação, por meio de periódicos, de um plano de alienação de próprios municipais, através de leilões, no qual a sede da SMOV poderia passar à iniciativa privada, as ações de preservação do edifício recobraram força, dessa vez, com o apoio de diversas instituições, como o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS), SAERGS, Instituto de Arquitetos do Brasil /Direção Nacional (IAB/DN), Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura (Propar/UFRGS), Conselho Estadual de Cultura (CEC) e Docomomo Brasil, além de professores, pesquisadores e estudantes de todo o País, emblematizados pelo abaixo-assinado firmado por professores e estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/PUCRS). Foram realizados debates, apresentações sobre o assunto e, mais recentemente, audiência entre as entidades interessadas e o prefeito de Porto Alegre.

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Dentre esses inúmeros eventos, frequentemente surge, acompanhada de certa surpresa, a pergunta: “mas, por que preservar a SMOV?

A resposta é relativamente objetiva. O projeto para o edifício-sede da SMOV, de 1966, de autoria dos então funcionários públicos do município – arquitetos Moacyr Moojen Marques, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva –, inaugurado em 1970, reúne três aspectos fundamentais, que justificam largamente sua preservação:

1) sob o ponto de vista histórico, o Rio Grande do Sul não teve a mesma potência formal e vanguardismo técnico que a Arquitetura Moderna Brasileira, praticada pelo centro do País, entre 1930 e 1960, no Rio de Janeiro (na época, capital Federal), e São Paulo, capital econômica do Brasil. No entanto, no campo do urbanismo moderno, Porto Alegre, no entendimento de muitos pesquisadores do meio, se iguala ou ultrapassa outras capitais brasileiras em termos de pioneirismo e tradição. Prova disso são as manifestações explícitas e profundas dos cânones do Movimento Moderno no planejamento urbano da cidade², a partir do “Plano Moreira Maciel”, no início do século XX,  do "Plano de Melhoramentos", de 1936, e do "Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre",  de 1938 – elaborados pelos urbanistas da prefeitura, Evaldo P. Paiva e Luís A. Ubatuba de Farias –, passando por um dos primeiros cursos de urbanismo do País, criado na UFRGS, nos anos 1940, até o "Plano Paiva", desenvolvido nos anos 1950. Ato contínuo desse processo, a criação da Divisão de Urbanismo da Secretaria de Obras, na década de 1950, liderada por Paiva, teve como ponto de culminância, o movimento dos técnicos da municipalidade reivindicando a construção de uma sede própria, à altura da relevância do planejamento urbano da cidade, cujo produto é a sede da SMOV. A SMOV, portanto, é símbolo e resultado de processo histórico representativo da disseminação do Movimento Moderno no sul do País.

2) sob o ponto de vista urbanístico, a SMOV foi construída, sobre a área do aterro da Praia de Belas, conquistada do estuário Guaíba, o maior aterro fluvial do mundo, em seu momento, praticamente duplicando a superfície do centro histórico de Porto Alegre. Objeto de projetos especiais, durante toda a história da capital, o aterro da Praia de Belas tem especial relevância no urbanismo moderno da cidade, em particular na regulamentação do Plano Paiva, em 1961, onde Fayet e Moojen, à mão, desenharam a planta que daria origem ao Parque Marinha do Brasil, à orla pública e ao Centro Administrativo da cidade, com edifícios das esferas federal, estadual e municipal. A SMOV, portanto, como parte do conjunto de edifícios públicos da área, é uma peça-chave de um plano maior, cuja morfologia e estratégia urbanística são representativas do urbanismo moderno no sul brasileiro.

3) sob o ponto de vista arquitetônico, Moacyr Moojen Marques, um dos autores do projeto, além de integrante da equipe de urbanistas dirigidas por Paiva, foi, de certa maneira, seu sucessor, como gerente do planejamento urbano de Porto Alegre, a partir do plano Paiva, até a elaboração do 1­° Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (I PDDU) da capital. Igualmente, como funcionário público, projetou em equipe, durante sua carreira pública e privada, o Auditório Araújo Vianna, o edifício-sede da Carris, e mais uma dezena de edifícios, que são representativos da arquitetura moderna brasileira, no sul. O prédio-sede da SMOV tem representatividade em diversos aspectos: (a) funcionalmente, adota a ideia de planta livre, com núcleo rígido centralizado e estrutura resistente disposta perimetralmente, de maneira a não ter pontos de apoio nas áreas de uso e a garantir flexibilidade; (b) formalmente, segue certo conservadorismo compositivo, filiado às vertentes norte-americanas da Escola de Chicago, como a arquitetura de Adler & Sullivan, com volumetria tripartite (base, corpo e coroamento), ligada à tradição acadêmica. O sistema formal das fachadas, com os recessos de térreo e cobertura e a textura dos peitoris, igualmente, se situam no universo de outro arquiteto filiado à Escola de Chicago, o célebre Frank L. Wright, do qual Moojen era profundo admirador; (c) sob ponto de vista construtivo, apesar da estrutura resistente ter sido moldada in loco, o edifício segue rigorosos padrões de modulação e expressão geométrica, próprios de uma construção industrializada – provavelmente, influenciado pelos projetos pioneiros em pré-fabricação em concreto, no Brasil, realizados para a Petrobrás, os quais Moojen realizava em equipe, naqueles mesmos anos. Os peitoris, no entanto, são pré-fabricados em concreto, o que não era comum na constituição de fachadas, nos anos 1960, em Porto Alegre; (d) internamente, um sistema sofisticado de divisórias e elementos móveis, completava a capacidade de adaptação do edifício a diversas configurações, o que confirma sua vocação à perenidade.

Ainda que persistam, por um lado, reações passionais de alguns que não possuem boas lembranças do edifício, principalmente dos demorados trâmites de expedientes únicos, por outro, há os que possuem afeição pessoal ao prédio e para com os autores, em especial, ex-colaboradores, ex-alunos, colegas, amigos e parentes, nos quais despertavam profunda admiração. Além disso, a análise eminentemente técnica, realizada acima, se soma à outra determinante: os dispositivos urbanísticos do Plano Diretor de Porto Alegre viabilizam a preservação do imóvel em sua integridade arquitetônica, mesmo na hipótese de incorporação à iniciativa privada e mudança de uso com possível melhor aproveitamento do potencial construtivo da área. Então a verdadeira pergunta, neste caso, é: por que não preservar?!

 

¹ Organização não Governamental, fundada na Holanda, nos anos 1980, dedicada à Documentação e Conservação do Movimento Moderno, organizada de forma federativa, no Brasil.

² Para saber mais sobre os Planos Diretores de Porto Alegre e sua relação com a Arquitetura Moderna Brasileira no Sul, ver MARQUES, 2012.

Referências

MARQUES, S. M. Fayet, Araújo & Moojen: arquitetura moderna brasileira no sul - 1950 / 1970. 746 folhas. Tese como requisito parcial (Doutorado em Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura UFRGS, Porto Alegre, 2012. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/65665>. Acesso em: 18 jul.2022.

Artigos | Revista da Astec v. 22, n. 49,  agosto de 2022.

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