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(Des)Caracterização
de Porto Alegre

"Até quando esperar a plebe ajoelhar

Esperando a ajuda de Deus?" 

(Plebe Rude - Até quando esperar – 

Álbum O Concreto já Rachou - 1986)

Porto Alegre

Fonte: AdobeStock

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Felisberto Seabra Luisi
Advogado e militante social; conselheiro da Temática do Desenvolvimento Econômico da RGP1 no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (CMDUA) – Autor convidado

A cidade de Porto Alegre tem orgulho da sua história, da memória, do patrimônio arquitetônico e cultural, bem como da sua gente.

Até o fim do ano de 2004, Porto Alegre era uma cidade que respeitava a sua história, a sua memória, a sua gente. Todavia, nos últimos 17 anos, Porto Alegre tem se (des)caracterizado com uma nova forma de governar.

Porto Alegre tem sofrido um processo de descaracterização da sua identidade e de sua memória. Há um visível apagamento da sua história. 

Na visão dos atuais gestores (Melo e Gomes), a cidade é vista, exclusivamente, como um ativo de produtividade – que gera exclusão e seletividade entre as classes sociais. Nota-se um descaso total com a periferia, com a nossa memória e história e, principalmente, com a nossa gente. 

A estrutura pública administrativa resta completamente sucateada, em benefício da lógica especulativa e da falácia de que a iniciativa privada gera e presta melhores serviços à população. 

Observa-se a concessão/privatização dos espaços públicos e da gestão dos serviços públicos em detrimento do fortalecimento do Poder Público, com a desvalorização dos servidores concursados. As comissões técnicas do município de avaliação e aprovação de projetos passaram a ser compostas por uma infinidade de cargos em comissão (CCs), abandonando o caráter técnico e prevalecendo, agora, o caráter político das decisões de uma gestão que prima pelo privado e não pela coletividade.

Os cargos de chefia e de secretário são ocupados por pessoas que não defendem a estrutura pública, ou seja, há privatização interna.

A cidade que foi e serviu de referência para o mundo através do Orçamento Participativo e do Fórum Social Mundial, hoje, torna-se refém de uma gestão que projeta e defende o capital especulativo.

 

Temos como exemplo a CARRIS fundada em 1872, tendo se destacado como referência de melhor empresa de transporte público do país. Neste ano deveria estar comemorando seus 150 anos de existência, como presente recebeu o seu fim/privatização. 

O DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgoto), por sua vez, também se vê na iminência de ser concedido/privatizado sem a menor consulta de seus servidores ou da população de Porto Alegre.

No Parque Harmonia, reconhecido pelas festas do 20 de setembro, culto da tradição gaúcha, resta ameaçado agora pela construção de um parque temático “cultural”, que nada tem a ver com a história desta cidade. E há quem diga que isso é modernidade!! 

Sob ainda ameaça de concessão/privatização estão os Parques da Redenção, Marinha e da Praia do Lami. São tristes os tempos desta cidade. Espaços públicos tradicionais e de máxima importância ambiental, cultural e social não podem ser concedidos à gestão privada. Um gestor público que não consegue administrar uma praça, um parque, será que tem condições de administrar uma cidade?

Cita-se a concessão/privatização da Orla como exemplo do bem cuidar do patrimônio público. Todavia, omite-se que houve injeção de dinheiro público através de financiamento para as tais melhorias. Diga-se que tal financiamento deverá ser pago. Quem pagará são os porto-alegrenses, por meio de seus impostos. Além disso, esse espaço era de fato subutilizado, distinguindo-se e muito dos parques que agora se quer conceder à iniciativa privada para exploração econômica. São espaços que respiram vida e são utilizados em sua plenitude pela sociedade.

Todavia, resistem aqueles que ainda sonham com uma Porto “Alegre”. Engenheiros, arquitetos, advogados, professores, sociólogos, cientistas políticos, economistas, movimentos sociais, entre outros, que entendem que a cidade inclusiva, deve ter direito de uso por de todos, de forma livre, sem exclusão. São os mesmos que lutam por habitação popular, regularização fundiária com infraestrutura básica, postos de saúde, escolas, creches, e não por grandes empreendimentos, por prédios mais altos, rodas gigantes ou letreiros em morro...

Lutam por um orçamento realmente participativo sob o controle da população, por conselhos municipais e setoriais fortes, independentes e com caráter deliberativo. Lutam por conferências, congressos ou seminários que envolvam toda a cidadania, com desenvolvimento social e econômico inclusivo, com sustentabilidade, e não como mera formalidade legal.

Estes que lutam por uma cidade mais justa, mais humana e menos desigual são os caranguejos. Aqueles que visam apenas o mercado os visionários, “modernos” ...

São tristes os tempos desta cidade. 

Os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da Astec.

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Artigos | Revista da Astec, v. 23, n. 50, março 2023.

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