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O que ocorreu com o Parque Harmonia?

Foto 1 - Imagem aérea do Parque Harmonia, em junho de 2023, com drástica retirada de vegetação, introdução de aterros e outras intervenções de impacto à flora e à fauna

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Fonte: foto de Gabriel Poester

Paulo Brack

Paulo Brack
Biólogo - Mestre em Botânica e Doutor em Ecologia -  Professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da UFRGS – autor convidado

Em junho de 2023, movimentos socioambientais, entidades ambientalistas, vereadores de oposição em defesa dos parques de Porto Alegre desencadearam mobilizações e denúncias frente à concessão predatória, concretizada em 2021 com a empresa Gam3 Parks e Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA), que levou à atual destruição em meados de 2023 de grande parte da vegetação do Parque Harmonia (Parque Maurício Sirotsky Sobrinho). 

Algumas imagens de drone (Foto 1) sobre a área causaram grande revolta de parte da população, envolvendo o corte de mais de 100 árvores, de um total de 432 (1/3 das árvores da área) autorizadas para supressão pela prefeitura, e decapeamento de pelo menos 2/3 da vegetação do parque e forte impacto à fauna e à paisagem por consequência das obras da empresa concessionária. A intenção era a abertura de espaços para aterros, construção de pavimentação, estacionamentos para 1500 automóveis e outras grandes construções e estruturas, incluindo uma roda-gigante, associadas a megaeventos, em atividades que fogem ao escopo de um parque público, que foi criado, fundamentalmente, para a manutenção do verde e da natureza.

Foto 2 - Grande quantidade de material de concreto, com potencial impacto à vegetação

Grande quantidade de material de concreto, com potencial impacto à vegetação

Fonte: do autor

É importante destacar que a área do parque, criado em 1981, tinha sido criada para promover a paisagem campeira gaúcha, já que sedia anualmente o Acampamento Farroupilha e tinha um histórico de ter abrigado eventos do Fórum Social Mundial. 

A mobilização pelos parques e contra suas concessões ou privatizações foi desencadeada há alguns anos, com destaque a uma manifestação pública histórica em 2022, com mais de 3 mil pessoas, contra a concessão e estacionamento subterrâneo no Parque Farroupilha (Redenção), chamada pelo Coletivo Preserva Redenção. Os protestos contra a prefeitura agregam, ainda, denúncias quanto ao frenético corte e podas de árvores na cidade e o processo de flexibilização no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre, com consultorias externas privadas contratadas pela prefeitura sem licitação.  

Foto 3 - Obras que implicam em quantidade de aterros ou introdução de material de construção e danos junto à base das árvores

Obras que implicam em quantidade de aterros ou introdução de material de construção e danos junto à base das árvores

Fonte: do autor

O que está por trás? 

A concessão do chamado “Trecho 1” (Parque Harmonia mais Orla nas suas proximidades) com a empresa privada GA3 Parks, envolve parte de um pacote de concessões previstas e organizadas pela Secretaria Municipal de Parcerias, somando-se, entre outros, o espaço do Anfiteatro Pôr do Sol (“Trecho 2”) e o Parque Marinha do Brasil (“Trecho 3”). Entre os aspectos comuns que envolvem estes espaços verdes entregues à iniciativa privada pela PMPA é a retirada da gestão local de técnicos, existente há décadas, por parte da então Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM), nos parques Harmonia, Redenção, Marinha do Brasil, Moinhos de Vento entre outros. Conjuntamente, os parques são abandonados – o que ocorreu especialmente com o Parque Harmonia e o Anfiteatro Pôr do Sol - e transformados em meros “trechos”, como ocorre comparativamente com as porções de estradas, onde empresas disputam a concessão de trechos para gerenciar a manutenção de rodovias, com cobrança de pedágios. Entretanto, parques resguardam riqueza de flora e fauna, paisagem natural e um patrimônio de espaço cultural público, neste caso conquistado historicamente pela população de Porto Alegre. 

O projeto de concessão do Parque Harmonia foi questionado por várias entidades, algumas delas que participam do Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano e Ambiental (CMDUA), destacando-se também entidades do Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM), neste último em documentos do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), de responsabilidade do secretário Germano Bremm. Infelizmente, nenhuma resposta oficial foi obtida, diante do empenho extraordinário do secretário na agilização de concessões e licenças a projetos polêmicos que são submetidos à aprovação no CMDUA. O Parque Harmonia recebeu, inclusive, denúncia pública de parte de dois arquitetos responsáveis pelo projeto, afastados logo após a concessão obtida, onde garantem que não foi mantido o projeto original, onde era previsto menor impacto à vegetação. Houve também a obtenção de uma liminar de pessoas físicas, junto à Justiça Estadual, diante de várias ilegalidades, até a derrubada da ação por parte de um desembargador do tribunal de Justiça do Estado. 

Foto 4- Alteração da vegetação e destruição de hábitat de quero-queros, inclusive em áreas de sua nidificação

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Fonte: do autor

Foto 5 - Quero-queros sem vegetação e atingidos por lama, aterros e brita relacionadas às obras

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Fonte: do autor

Entre as falhas graves, o Parque Harmonia careceu de um processo de licenciamento ambiental amplo, incluindo obrigatoriamente estudos de impacto ambiental, não somente contar árvores sujeitas ao corte, mas estudar o impacto à vegetação, à fauna, às áreas de preservação permanente (APPs) da margem do curso d’água Guaíba, que corresponde a 500 m, desde a linha de limite da água. 

Entre os impactos na área, destacam-se injúrias e aterros (argila, areia e brita asfáltica) sobre a base de centenas de árvores, além da retirada de habitat da fauna local. Dezenas de espécies de aves foram afetadas, entre as 85 espécies registradas neste parque, com riqueza das mais elevadas neste grupo da fauna silvestre.  

O contexto atual que afeta os parques de Porto Alegre corresponde, portanto, a uma onda neoliberal, com a entrega de áreas públicas, à semelhança do direito à água e à energia por parte de governos ao setor empresarial, que visa megaeventos e o lucro acima de tudo, no giro de uma economia “moderna” que segue em rumo de seu próprio esgotamento...

REFERÊNCIAS

PORTO ALEGRE. Lei nº 5066, de 23 de dezembro de 1981. Denomina Parque da Harmonia um logradouro público. Porto Alegre: Leis Municipais, [2015]. Disponível em:

https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/lei-ordinaria/1981/507/5066/lei-ordinaria-n-5066-1981-denomina-parque-da-harmonia-um-logradouro-publico?q=5.066. Acesso em: 9 nov. 2023.

PORTO ALEGRE. Lei complementar nº 646, de 22 de julho de 2010. Altera e inclui dispositivos, figuras e anexos na Lei Complementar nº 434, de 1º de dezembro de 1999 - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (PDDUA) –, e alterações posteriores, e dá outras providências. Porto Alegre: Leis Municipais, [2015]. Disponível em:

https://leismunicipais.com.br/a/rs/p/porto-alegre/lei-complementar/2010/64/646/lei-complementar-n-646-2010-altera-e-inclui-dispositivos-figuras-e-anexos-na-lei-complementar-n-434-de-1-de-dezembro-de-1999-plano-diretor-de-desenvolvimento-urbano-ambiental-de-porto-alegre-pddua-e-alteracoes-posteriores-e-da-outras-providencias  . Acesso em: 3 out. 2023.

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Artigos | Revista da Astec, v. 23, n. 51, janeiro 2024.

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