A Tributação no Brasil e a persistente regressividade e desigualdade: desafios

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Rosa Angela Chieza
Professora na Faculdade de Ciências Econômicas/UFRGS e Diretora do Instituto Justiça Fiscal - Autora convidada.
Segundo Piketty (2020), a desigualdade não é um fato natural, mas resultado de decisões econômicas, políticas e institucionais tomadas historicamente. Entre os regimes que legitimam a desigualdade, destaca-se o Regime Tributário. No Brasil, o Sistema Tributário, baseado na predominância de tributos sobre o consumo em detrimento da renda e da propriedade, reforça a injustiça fiscal e aprofunda a desigualdade. Assim, os contribuintes de menor renda pagam proporcionalmente mais tributos do que os mais ricos, violando o princípio constitucional da capacidade de pagamento previsto na Carta Magna de 1988.
Nos países desenvolvidos, 40,84% da arrecadação advém de tributos sobre renda e propriedade; no Brasil, apenas 32,43%. Já os tributos sobre consumo representam 41,12% da arrecadação nacional, frente a 31,18% na média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa regressividade explica, em parte, o maior Índice de Gini brasileiro. Famílias de baixa renda destinam cerca de 42% de seus rendimentos ao pagamento de tributos, enquanto os mais ricos, com maior capacidade contributiva, acabam beneficiados, ampliando as desigualdades.
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O Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) também evidencia a injustiça tributária. A alíquota efetiva aumenta até a faixa de 30 salários mínimos mensais (10,6%), mas cai para 2,1% entre os que recebem acima de 320 salários mínimos. Assim, quem ganha entre 5 e 7 salários mínimos paga proporcionalmente mais IRPF (3,87%) do que os muito ricos, revelando a regressividade.
Gráfico 1 – Alíquota efetiva do IRPF 2021, ano-calendário 2020, de acordo com as faixas salariais em salários mínimos (SM).

Fonte: Klock, 2022
Sem mudanças estruturais, a desigualdade tende a crescer. Segundo Dutra et al. (2025) e Gobetti (2025), a renda do 0,1% mais rico aumentou 48,8% acima da inflação entre 2017 e 2023, cinco vezes mais que a renda média. Noventa por cento desse crescimento provém de rendas do capital — 66% de lucros e dividendos — isentas de IRPF desde a Lei nº 9.249/1995.
A função dos tributos deve ir além do financiamento das políticas públicas: deve promover justiça distributiva, conforme o §3º do Art. 145 da Constituição Federal (CF) 1988. A aprovação do Projeto de Lei nº 1.087/2025 é um avanço, ao isentar rendas de até R$ 5 mil e tributar lucros e dividendos acima de R$ 50 mil mensais. Contudo, o avanço é limitado, pois a desigualdade brasileira é estrutural. Segundo o Observatório Fiscal da União Europeia (Palomo et al., 2025), o 1% mais rico detinha 27,4% da renda nacional em 2019 — um dos maiores índices do mundo, como evidencia a Figura 2.
Gráfico 2 – Alíquota efetiva de milionários em dólar: comparação entre países

Fonte: Palomo, et al, 2025, p.2
Além disso, milionários brasileiros pagam, em média, 20% de impostos — menos que seus pares internacionais. Assim, a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, previsto na CF/1988, não afugentaria o capital, pois o Brasil já possui uma das menores tributações efetivas do mundo.
Essas distorções do sistema tributário brasileiro perpetuam a desigualdade, dificultam o crescimento econômico e enfraquecem a democracia. Por isso, a educação fiscal e política é essencial para transformar a correlação de forças no Congresso Nacional e garantir o cumprimento do Art. 3º, inciso III, da Constituição de 1988: “erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, por meio de uma tributação mais progressiva e justa.
REFERÊNCIA
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília [DF]: Presidência da República, 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 out. 2025.
BRASIL. Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Brasília [DF]: Presidência da República, [s.d.]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9249.htm. Acesso em: 25 out. 2025.
DUTRA, Frederico Nascimento, MONTEIRO, Priscila Kayser e GOBETTI, Sérgio Wulff. Nota Técnica: concentração de renda no Brasil: o que os dados do IRPF revelam? [S.l., s.n.], 2025. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2025/08/concentracao-renda.pdf. Acesso em: 25 out. 2025.
KLOCK, Dieick F. O Imposto de Renda da Pessoa Física no Brasil: uma análise sobre a defasagem na atualização da tabela de 1996 a 2022. Orientadora: Rosa Angela Chieza. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Ciências Econômicas) – UFRGS, Porto Alegre, 2023. 32 p. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/257752. Acesso em: 25 out. 2025.
PALOMO, Theo et al. Progressividade tributária e desigualdade no Brasil: evidências a partir de dados administrativos integrados. 2025. Disponível em: https://www.taxobservatory.eu/www-site/uploads/2025/08/Progressividade-Tributaria-e-Desigualdade-no-Brasil_Evidencias-a-partir-de-Dados-Administrativos-Integrados.pdf. Acesso em: 25 out. 2025.
PIKETTY, Thomas. Capital e Ideologia. Rio de Janeiro. Intrínseca, 2020. 1053 p.
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