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Indígenas na cidade ou cidade sobre os territórios indígenas: o que precisamos aprender com os povos originários?

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“Juruá retã ko iporã vai pa, overá raxá ndajaikuaaái mba’epa omo’ã.”
(“A cidade brilha muito, ofusca os nossos olhos e não conseguimos ver o que há por trás dela.”)
— Kunhã Karaí Florentina, xamã Mbyá Guarani

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Rodrigo Ciconet Dornelles
Responsável pela Área Técnica de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Mestre em Antropologia Social pela UFRGS - Autor convidado.

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Rosa Rosado
Educadora ambiental, articuladora do Fórum de Educação Ambiental de Porto Alegre, professora aposentada da RME, bióloga e doutora em Geografia pela UFRGS - Autora associada à Astec.

Com as palavras da Kunhã Karaí Florentina, iniciou-se, em 2013, o livro Presença Indígena na Cidade? Reflexões, ações e políticas, publicado pela então Secretaria Municipal de Direitos Humanos de Porto Alegre. O objetivo era “contribuir para o fortalecimento de uma nova postura dos porto-alegrenses quanto ao reconhecimento de distintas formas de ser e estar no mundo a partir do espaço urbano”. Mais de uma década depois, a provocação permanece atual: a invisibilidade indígena na cidade continua marcada por preconceitos enraizados em nossa história colonial.

A enchente de maio de 2024 evidenciou a urgência de repensar nossa relação com a natureza. Mas o que temos aprendido com os povos originários que compartilham este território, hoje chamado cidade? O Censo (IBGE, 2022) registra 1.693.535 indígenas no Brasil — mais da metade vivendo em áreas urbanas. Estar na cidade, portanto, não é estar “fora de lugar”: foi o espaço urbano que se sobrepôs aos territórios indígenas.

A presença originária em Porto Alegre é milenar. Há registros de ocupações humanas com cerca de nove mil anos na Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba, inclusive no atual Centro Histórico, onde escavações na Praça da Alfândega revelaram vestígios pré-coloniais. Recontar essa história — rompendo com os silêncios da memória oficial — é um compromisso ético de toda a sociedade.

Atualmente, vivem em Porto Alegre dez coletivos Kaingang, seis Mbyá-Guarani e um Charrua. Cada povo afirma sua presença de forma singular: os Kaingang conquistaram espaços de troca intercultural no Brique da Redenção e no Centro Histórico; os Charrua consolidaram a Aldeia Polidoro como território de resistência; e os Mbyá-Guarani têm seus cantos e danças reconhecidos como patrimônio cultural. Ainda assim, persistem barreiras no acesso a direitos básicos, resultado da discriminação étnico-racial e do racismo estrutural.

As cosmologias indígenas oferecem caminhos diante da crise climática. Como lembra Ailton Krenak, em A vida não é útil, ré preciso compreender a vida na Terra como experiência criativa com o que chamamos natureza — e não apenas como recurso explorável. Contudo, estereótipos ainda limitam a compreensão da presença indígena na cidade. O indígena urbano não perde sua identidade: recria territorialidades, reelabora culturas, constrói vínculos socioambientais e propõe novas formas de convivência.

A Constituição de 1988 reconhece a organização social, as línguas e tradições indígenas sem restringi-las a áreas rurais. No entanto, nas cidades, ainda há o risco de tratá-los como “pobreza exótica”, apagando identidades coletivas em políticas públicas que priorizam apenas o indivíduo. O território urbano também é lugar de vida, memória e pertencimento.

Estabelecer um diálogo intercultural simétrico e respeitoso é condição essencial para cidades mais justas. Em Porto Alegre, os povos indígenas seguem recriando modos de existência e reencantando o futuro. Suas cosmologias desafiam o poder público e a sociedade a rever as relações com as águas, as matas e os morros. O direito de existir — e de recriar a presença indígena na cidade — é parte essencial para enfrentar os desafios climáticos e sociais do nosso tempo.

REFERÊNCIA

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília [DF]: Presidência da República, 2025. Disponível em:  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 out. 2025.

IBGE. Censo Demográfico 2022: indígenas – primeiros resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2023. 193 p. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102018.pdf. Acesso em: 25 out. 2025.

KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. 126 p. 

ROSADO, Rosa Maris (Org.); FAGUNDES, Luiz Fernando Caldas Org.). Presença indígena na cidade: reflexões, ações e políticas. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Direitos Humanos, 2013. 247 p. 

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Artigo | Revista da Astec, v.25, n.54, dezembro 2025

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