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Sistema Tributário: o giro da desigualdade

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Fonte: Ilustração Milo Cardoso / Leão Fúcsia

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Cláudio Hiran Alves Duarte

Procurador Municipal - Associado à Astec.

“– Chega de tanto imposto!”, reclama a minoria endinheirada que quase não paga tributos.


“– Chega de tanto imposto!”, repete a grande maioria empobrecida, que arca com a maior parte da carga tributária.

Dito assim, parece contradição, mas é justamente essa a lógica que sustenta a regressividade do sistema tributário brasileiro: quem tem mais paga menos; quem tem menos paga mais.

Essa narrativa vem sendo usada para barrar o Projeto de Lei (PL) nº 1.087/2025, apresentado pelo governo Federal em 18 de março de 2025. O texto propõe isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês e, em contrapartida, tributar dividendos acima de R$ 50 mil mensais. Um gesto modesto de justiça fiscal, que representaria um sopro de progressividade: alívio para a base e maior contribuição de quem tem maior capacidade econômica.

Mas por que um avanço tão tímido enfrenta tanta resistência? E por que, paradoxalmente, muitos dos que seriam beneficiados pelo projeto repetem, quase como um mantra: “Chega de tanto imposto”?

A resposta não está em nenhuma síndrome de Estocolmo fiscal, mas no próprio caráter e ideologia do Estado contemporâneo — que, embora se apresente como neutro, reproduz os interesses históricos das elites econômicas. Essa estrutura remonta às ideias de Thomas Hobbes, formuladas ainda em 1651, no Leviatã:

“Da igualdade da justiça faz parte também a igual cobrança de impostos, igualdade que não depende da igualdade dos bens, mas da igualdade da dívida que cada homem tem para com o Estado, para a sua defesa. [...] A igualdade dos impostos consiste mais na igualdade daquilo que é consumido do que nos bens das pessoas que o consomem.” (HOBBES,1999)

Em outras palavras, Hobbes afirmava que o consumo — e não a renda ou o patrimônio — deveria ser o foco da tributação. Eis a fórmula da regressividade: não taxar os super-ricos, não aplicar imposto sobre grandes fortunas, não tributar lucros e dividendos.

 

Essa lógica absolutista, nascida no século XVII, sobrevive disfarçada no Estado moderno, que se diz democrático, mas mantém intacta a estrutura tributária que favorece os mais ricos. Assim, o velho absolutismo continua vivo dentro do novo Estado, limitando seu potencial transformador e bloqueando até mesmo um simples sopro de progressividade, como o proposto no PL 1.087/2025.

 

​Envelhecido e domesticado, o Estado de Direito se transforma num neoabsolutismo fiscal, que perpetua a desigualdade sob roupagem legal. É o que vemos, por exemplo, em Porto Alegre, com os sucessivos programas REFIS, agora rebatizados de RecuperaPOA.​

 

Esses programas servem para recuperar a cidade — ou para dar capital de giro aos grandes devedores? Afinal, por que pagar tributos em dia se, mais adiante, um novo REFIS perdoará juros e multas? A lógica é perversa: enquanto os pequenos contribuintes se esforçam, os grandes são premiados pela inadimplência.​Não é por acaso que se chamam “conservadores”: conservam, em 2025, o velho absolutismo de 1651 — e giram, sempre, em torno da mesma desigualdade.

REFERÊNCIA

BRASIL. Projeto de Lei nº 1.087/2025. Altera a legislação do imposto sobre a renda para instituir a redução do imposto devido nas bases de cálculo mensal e anual e a tributação mínima para as pessoas físicas que auferem altas rendas, e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados [2025]. Disponível em:

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2487436. Acesso em: 25 out. de 2025.

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Editora Nova Cultura, 1999, p. 271-272

PORTO ALEGRE(RS). Prefeitura Municipal. Recuperapoa. Porto Alegre: [s.d.] Disponível em: https://prefeitura.poa.br/recuperapoa. Acesso em: 25 out. de 2025.

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Artigo | Revista da Astec, v.25, n.54, dezembro 2025

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