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Relações de Poder e Invisibilidades na Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre: uma análise crítica à luz da cartografia

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Fonte: Giulian Serafim/Arquivo PMPA

Claudete Aires Simas
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR/UFRGS). Coordenadora-geral da ONG Acesso – Cidadania e Direitos Humanos. Conselheira do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (CMDUA), no período de 2018 a 2023 - Associada à Astec.

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Daniela Marzola Fialho
Arquiteta pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mestra em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS, Doutora em História pela pelo PPG/História/UFRGS. Realizou estágio de doutoramento e pós-doc na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR/UFRGS), de 2013 a 2016. É professora associada 4 na Faculdade de Arquitetura e no PROPUR/UFRGS. Pesquisadora e coordenadora da Mapoteca do Instituto Histórico do Rio Grande do Sul (IHGRGS) - Autora convidada.

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Livia Teresinha Salomão Piccinini
Arquiteta pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Urban Development Planning, pela The Barttlett, University of London, School of Economics, UK. Doutora pela University of Cambridge, UK. Professora Associada da UFRGS. Vice-Diretora da Faculdade de Arquitetura (UFRGS), de 2019 a 2023. Coordenadora da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura. Vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional, nas gestões 2013-2015; 2017-2019; 2019-2021. Representante da UFRGS no Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre (CMDUA), de 2016 a 2019. Coordena o Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Urbanos (LEURB/UFRGS) - Autora convidada.

A revisão do Plano Diretor de Porto Alegre (Plano Diretor Urbano Sustentável - PDUS e Lei de Uso e Ocupação do Solo - LUOS) evidencia disputas territoriais atravessadas por interesses econômicos e exclusões socioespaciais. Longe de ser neutro ou meramente técnico, o plano expressa escolhas políticas materializadas nos mapas oficiais, que performam uma determinada visão de cidade. Como afirmam Acselrad e Coli (2008), a cartografia urbana é um “enunciado performático”, que orienta ações estatais e privadas sobre o território.

À luz da cartografia crítica, a análise das minutas do plano revela uma lógica seletiva: áreas centrais e valorizadas são representadas com maior detalhamento gráfico e normativo, enquanto periferias, comunidades tradicionais e zonas de risco aparecem com baixa visibilidade — ou sequer são mapeadas. Esse apagamento não é neutro. Como destacam Harley (2001, p. 7) e Wood (1992, p. 11) os mapas sempre serviram ao poder: o que não é representado, muitas vezes, “não existe”.

Essa seletividade viola dispositivos constitucionais e legais, como o artigo 182 da Constituição Federal e o artigo 42-A do Estatuto da Cidade, que determinam a função social da cidade, a delimitação de áreas de risco e a adoção de medidas de adaptação climática. A ausência de diagnósticos socioambientais, especialmente após a enchente de 2024, também os compromissos do Acordo de Paris.

A ambiguidade entre discurso e prática se reflete na proposta normativa e cartográfica da minuta, que privilegia zonas de valorização imobiliária e flexibiliza parâmetros urbanísticos em áreas centrais e de expansão. Em contraste, territórios periféricos e vulneráveis permanecem tratados de modo residual ou invisibilizado. Esse viés cartográfico reforça exclusões históricas e antecipa processos de remoção legitimados por narrativas de “modernização”.

As oficinas participativas de 2019 geraram contribuições relevantes sobre transporte, habitação e saneamento, mas suas proposições foram ignoradas. Relatórios e mapas devolutivos só vieram a público em 2022, já desatualizados, o que esvaziou o caráter democrático do processo — contrariando os artigos 2º, II, e 43 do Estatuto da Cidade, que asseguram gestão participativa com transparência e diálogo permanente.

A minuta ainda prevê remoções em áreas irregulares, muitas sequer mapeadas, vinculadas à execução de obras viárias e implantação de equipamentos públicos. Essa diretriz contraria a Lei nº 13.465/2017, que consagra o princípio da permanência in situ para ocupações consolidadas. Ao buscar legitimar tais remoções, o plano fere direitos fundamentais e reforça a captura do planejamento urbano pelos interesses do mercado imobiliário, conforme já analisado por Vainer (2013) e Maricato (2014). 

Disputar o mapa é disputar o futuro da cidade. A cartografia do PDUS define prioridades, legitima investimentos e silencia vulnerabilidades. Os mapas moldam o debate, naturalizam desigualdades e tornam a cidade visível ao mercado, mas invisível às margens. Enfrentar esse cenário requer transparência, dados públicos abertos, participação vinculante e a incorporação de cartografias sociais — reafirmando o direito à cidade e a urgência de uma justiça espacial efetiva.

Figura 1 – Comparação entre Zonas de Ordenamento Territorial e Áreas de Risco e Vulnerabilidade Ambiental em Porto Alegre

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Fonte: PORTO ALEGRE(RS). Prefeitura Municipal, 2025

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri; COLI, Luís Régis. Disputas territoriais e disputas cartográficas. In: ACSELRAD, Henri (org.). Cartografias sociais e território. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2008. p. 168. (Coleção Território, Ambiente e Conflitos Sociais; n. 1).

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília [DF]: Presidência da República, 2025. Disponível em:  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 out. 2025.

BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Nota: Estatuto da Cidade Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 27 out. 2025.

 

BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017.  Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; [...] e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm. Acesso em: 27 out. 2025.

 

BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.   Acordo de Paris. Brasília: Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento/ Coordenação-Geral do Clima, 2017. 42 p. Disponível em:https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/acordo-de-paris-e ndc/arquivos/pdf/acordo_paris.pdf. Acesso em: 03 nov. 2025.

 

HARLEY, J. B. The new nature of maps. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2001. 333 p.  

 

MARICATO, E. O impasse da política urbana no Brasil. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 214 p. 

PORTO ALEGRE(RS). Prefeitura Municipal. Proposta PDUS e LUOS. Porto Alegre: SMAMUS, 2025. Disponível em: https://prefeitura.poa.br/smamus/novo-plano-diretor/proposta-pdus-e-luos. Acesso em: 20 set. 2025.

VAINER, Carlos. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 75-103.

 

WOOD, Denis. The power of maps. New York: Guilford Press, 1992. 248 p.  

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Artigo | Revista da Astec, v.25, n.54, dezembro 2025

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