Nossas vidas mexendo na terra
A enf. Lurdes Toazza Tura, aposentada da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), reencontrou mais que suas raízes de agricultora. O cultivo de uma horta e de um jardim caseiros lhe trouxe saúde e alegria de viver.
Minha vida, nossas vidas. Em contato com a terra, nós nos realizamos como pessoas. A terra é, sem dúvida, um bem que jamais deixa o ser humano sem seu alimento. Como diziam nossos pais e nossos nonos, “rico é quem tem um pedaço de terra”. Sim, riqueza não é ter muitos hectares, mas sim o suficiente para cultivarmos um pouco de alimento que seja saudável e sem agrotóxicos. Mexer na terra, cuidar das plantinhas é música para os ouvidos e colírio para os olhos.
Em dezembro de 2017, foi publicada no Diário Oficial do Município de Porto Alegre a minha aposentadoria. Meu esposo, Genir, já estava aposentado há um ano. Foram 33 anos de muito trabalho na enfermagem, entre hospitais e a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Escolhi a enfermagem porque eu gosto de trabalhar com pessoas, de cuidar das pessoas. Sempre gostei e gosto muito do que faço. Quando fazemos aquilo que gostamos, os resultados retornam positivamente. O grande envolvimento durante a minha vida profissional me rendeu algumas honrarias, que aqui não vem ao caso enumerar.
Planejar é um ato individual que cada pessoa deve fazer para sua vida, desde seu primeiro dia de trabalho. E foi que eu fiz. Comecei a planejar minha aposentadoria desde 1983, quando sai da casa dos meus pais, em Nova Araçá, interior do RS, para continuar meus estudos em Porto Alegre. Graduei-me enfermeira, em 1991, e no mesmo ano me casei com meu esposo, Genir Tura, graduado em Administração de Empresas. Ele é natural de Benjamin Constant do Sul. Nós temos uma história de vida semelhante. Saímos da casa de nossos pais com dezoito anos, buscando uma vida melhor e para estudarmos. Somos do interior e fomos criados com nossos pais trabalhando na agricultura, e isso nos orgulha. Tivemos um filho, Matheus, que já tem sua vida independente.
Juntos, nós construímos uma sólida relação, com muita harmonia, que inclui, por exemplo, a divisão de tarefas sem um ou outro se sentir prejudicado. Esta divisão, desde o início do relacionamento, incluiu desde o pagamento das contas da casa, o cuidado do filho, as tarefas domésticas, economia financeira e muitas outras.
Moramos no bairro Agronomia onde, há mais de 20 anos, construímos a nossa casa e é nela que passamos nossos dias, nos envolvendo com a natureza.
Para muitos, a aposentadoria é sinônimo de vida parada e vida vazia, o que na maioria das vezes, pode levar à depressão. Ocupar o tempo e a mente para quem já é muito ativo não é difícil, pois as coisas fluem naturalmente.
Desde janeiro de 2018, minha rotina é de uma agenda cheia e sem estresse. Eu tenho aulas de inglês, três horas por semana; Pilates, duas horas por semana (antes da pandemia, eram três), na academia do bairro. Também criei um grupo com mais duas amigas para uma vez por semana conversamos, em inglês. Atualmente, devido à pandemia as aulas de inglês e de Pilates são on-line.
O tempo livre se resume em cuidarmos da nossa horta e do nosso jardim além, é claro, de tomarmos um bom chimarrão.
Nossa rotina conjunta é entre flores, vegetais, frutas e legumes. Já ao acordarmos vamos diretamente olhar as plantinhas, no pátio dos fundos. No pátio da frente, cuidamos do jardim. Isso nos dá um belo sentido à vida. Ver as ervilhas crescendo, o feijão de vagem colocando as folhas e abrindo as flores, os pepinos crescendo dia a dia, os morangos ficando vermelhos, os cachos de uvas crescendo, com certeza é muito mágico.
Colher radicchio ou alface, antes do sol ou antes da chuva, é um prazer inexplicável. Ter temperos frescos todos os dias e quando estamos preparando a refeição é muito bom.
O espaço que temos para plantar não é muito amplo e tem bastante sombra, por causa das árvores, as nossas e as dos vizinhos. Por isso, temos que procurar o Sol para escolher o lugar para plantarmos.
A nossa produção inclui:
a) legumes: berinjela, pimentão, pepino, ervilha, feijão de vagem, abóboras;
b) especiarias: vários tipos pimenta;
c) verduras: almeirão, radicchio, rúcula, alfaces, repolho, flor comestível, capuchinha, ora-pro-nóbis, espinafre e couve;
d) frutas: tomate, maracujá, bergamota montenegrina e ponkan, laranja de suco, uva, cereja, jabuticaba, physalis, morango, melão;
e) temperos: alecrim, louro, salsa, manjericão, sálvia, cebolinha, manjerona, orégano, rosmarim;
f) raiz: gengibre, alho-poró.
Em quase todas as estações do ano, colhemos temos frutas. Colher e consumir alimentos sem agrotóxicos diariamente é muito saudável, mas, mais saudável ainda é podermos fazer as escolhas do que plantarmos.
O cuidado com a produção do lixo também é uma preocupação nossa. Tudo o que é produzido na horta e não é aproveitável para consumo próprio, é devolvido à terra. Todas as cascas de frutas, legumes e vegetais são utilizados para produção de adubo orgânico. Por exemplo, a casca de banana que é uma ótima fonte de potássio e a casca do ovo possui vários nutrientes importantes para as plantas como cálcio, magnésio e potássio. Para dar mais qualidade à terra, também compramos na agropecuária do bairro, esterco bovino. Não é recomendado usar sobras de comida temperada ou gordurosa, nem doces. Isso é capaz de atrair bicho e causar mau cheiro.
Não utilizamos agrotóxicos e nem fungicidas, tanto nas árvores frutíferas como nas hortaliças. Então, vai uma boa e saudável dica para deixar as hortaliças mais vigorosas e afastar os fungos, especialmente do tomateiro. Dilua 100 ml de leite em 1 litro de água e borrife esse fungicida nas folhas. Esse líquido possui vários sais e aminoácidos. Seu uso torna as plantas mais resistentes e evita o aparecimento de bichos causadores de doenças. Se aplicada no substrato, servirá como fertilizante. Pulverize no início da manhã ou no final da tarde, nunca em horário com sol muito forte.
Nosso espaço não é muito grande, mas, conseguimos uma produção para duas pessoas o ano todo com produtos, frescos, saudáveis e sem agrotóxicos e da estação. Para plantar não é preciso ter uma grande extensão de terra e não é difícil. É só preparar bem a terra, com adubo orgânico e ainda temos a opção de comprar algumas mudas e sementes selecionadas e sem agrotóxicos, em agropecuária. Podemos plantar em vasos, em pneus, em canos de PVC, tanto na posição vertical como na horizontal, dependendo do espaço existente. O único cuidado é saber o tamanho das raízes para o vegetal crescer saudável quando a escolha for plantar em vasos.
Mesmo quem reside em apartamento tem a opção de plantar. O exemplo é nosso filho Matheus, que mora em um apartamento não muito espaçoso e tem todos os temperos frescos à hora que quiser. Basta ter sol e umidade. Quando nós morávamos em apartamento também tínhamos temperos plantados em vasos.
Mexer na terra diariamente, plantar e acompanhar o nascimento, o crescimento e o desenvolvimento do plantio é uma grande satisfação. E por que não falar do jardim? O colorido e o perfume das flores é que mais nos motiva no cuidado com cada uma e nos dá prazer de viver e apreciar o lugar onde vivemos. Às vezes eu penso que as flores me entendem e me respondem com seu colorido e seu perfume.
Há estudos que indicam que viver em lugares arborizados ajuda a diminuir os riscos de doenças relacionados à poluição. Mesmo que não possamos morar em áreas com verde abundante podemos adquirir o hábito de cultivar plantas em casa. Fazer jardins, pequenas hortas ou um simples vaso com uma planta viva torna-se um hábito saudável em meio à sociedade urbana.
No Brasil, já existem belos exemplos de hortas urbanas e comunitárias, feitas a partir da participação do trabalho de adultos e de crianças. Penso que é hora de a sociedade se sensibilizar e ocupar os espaços vazios e não utilizados em algumas áreas na cidade. As hortas urbanas proporcionam o fortalecimento da vida comunitária, já que partem da premissa de não utilizar agrotóxicos e transgênicos e estão em lugares de fácil acesso às comunidades.
Fica o convite: tente plantar! Afinal, colher e consumir alimentos sem agrotóxicos diariamente, além de ser saudável, é mágico, é uma benção!
Referências
ADUBO caseiro: aprenda como fazer e deixar as plantas saudáveis. Casa Vogue: São Paulo, 6 set. 2018. Disponível em:
https://casavogue.globo.com/Arquitetura/Paisagismo/noticia/2018/09/adubo-caseiro-aprenda-como-fazer-e-deixar-plantas-saudaveis.html. Acesso em: 20 dez. 2020
CINCO exemplos de hortas urbanas no Brasil. SustentArqui: Rio de Janeiro, 21 maio 2014. Disponível em:
https://www.brasildefatope.com.br/2020/01/21/hortas-urbanas-garantem-alimentacao-saudavel-e-ocupam-espacos-ociosos-das-cidades Acesso em: 20 dez. 2020
LOPES. Carlos Alberto (Org.), ÁVILA , Antônio Carlos de (Org.). Doenças do tomateiro. Brasilia: Embrapa Hortaliças, 2005. 151 p. Disponível em :
www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/778171/doencas-do-tomateiro. Acesso em: 20 dez. 2020