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Mina Guaíba Medicina em Alerta

Juliana Ribas Escosteguy

Médica, clínico geral, mestre em Saúde da Criança e do Adolescente.

 

Rafaela Brugalli Zandavalli

Médica de Família e Comunidade.

 

E-mail: medicosemalerta@gmail.com - Rede Medicina em Alerta, rede independente de médicas e médicos que se preocupam com questões de saúde locais e globais. 

Cidades atingidas pela mina Guaíba

Mina Guaíba

Fonte:   Instituto Internacional Arayara.  https://medicinaemalerta.com.br

O assunto Mina Guaíba vem causando polêmica desde 2014 devido ao seu potencial gerador de degradação ambiental generalizada e grandes riscos à saúde humana. O empreendimento, localizado a apenas 16 km da capital do Estado, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas, pretende ser a maior mina de extração de carvão mineral a céu aberto do Brasil e se tornar um polo carboquímico na região. Em decorrência disto, se torna de fundamental importância para a população de Porto Alegre e região metropolitana que estes danos potenciais venham a ser do conhecimento da sociedade. 

Recentemente, as sociedades: de Genética (SBGM), Pediatria (SPRS), Neurologia e Neurocirurgia (SNNRS), Cardiologia (SOCERGS), Medicina de Família e Comunidade (AGMFC), Psiquiatria (APRS), Bioética (Sorbi) e de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Abrastt) escreveram pareceres técnicos, baseados em evidências científicas a respeito dos malefícios e do impacto à saúde da população advindos da instalação desta mina a céu aberto. Através dos pareceres, foi solicitado por estas sociedades que seja realizado - de forma independente - uma Avaliação de Impacto à Saúde (AIS) nos moldes da Organização Mundial da Saúde (OMS), a qual deverá investigar os possíveis danos decorrentes da mina, tais como: aumento significativo da poluição do ar; contaminação da água doce/potável e do solo, afetando lençóis freáticos, bem como plantações e agricultura locais; aumento da poluição sonora e a possível ocorrência de abalos sísmicos em decorrência de alguns estágios da construção da mina como escavação, processos de extração do carvão envolvendo explosões do solo, transporte, etc. A Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS) há algumas semanas ratificou o alerta para os riscos à saúde e a solicitação da AIS.  

Para extrair o carvão, serão realizadas inúmeras explosões no solo, que projetarão no ar aproximadamente 416 kg por hora de minúsculas partículas invisíveis a olho nu, as quais ficarão suspensas no ar. Com a pretensão de funcionar ao longo de 23 anos, estima-se que o ar da grande Porto Alegre receba em torno de 30 mil toneladas de poluentes até o final deste período, sem considerar as emissões posteriores decorrentes da combustão do carvão. Essas partículas têm a capacidade de penetrar as vias aéreas e os pulmões, bem como a corrente sanguínea e o sistema cardiovascular, e a partir daí, desencadear diversas reações que levarão ao desenvolvimento de inúmeras doenças as quais serão citadas neste artigo a seguir. Importante lembrar neste contexto, que a poluição do ar foi o segundo maior fator de risco para doenças crônicas em 2016 sendo então considerada pelo Dr Tedros Adhanom, diretor geral da OMS, como o novo tabaco (PRUSS-USTUN et al, 2019). 

Em 26 de maio de 2020, 350 organizações de saúde em todo o mundo, sendo 19 brasileiras, como as Sociedades Brasileiras de Pneumologia e Tisiologia e de Medicina de Família e Comunidade, Associação Nacional de Enfermagem, Associação Brasileira de Saúde Coletiva e World Medical Association, dentre outras robustas organizações - representando mais de 40 milhões de profissionais de saúde e mais de 4.500 profissionais de saúde individuais de 90 países diferentes, escreveram aos líderes dos governos dos países do G20 clamando por uma recuperação saudável, após a crise do coronavírus (SCHRAUFNAGEL et al, 2019). Esta recuperação saudável coloca em foco a saúde pública e deve incluir pacotes de incentivo econômicos que reduzam a poluição e a emissão de CO2, reformem os subsídios aos combustíveis fósseis, apoiem a utilização de energias renováveis e o uso de transporte público. Este movimento chamado #RecuperaçãoSaudável, ou #HealthyRecovery, é a maior mobilização da comunidade da saúde mundial em favor do meio ambiente (BROOK et al, 2010).

E quais são estes malefícios causados pela poluição do ar? Através do material particulado lançado no ar, ela causa e exacerba diversos distúrbios respiratórios, como pneumonias, asma em crianças e doenças pulmonares crônicas em idosos (MYLLYVIRTA et al, 2020; SCHRAUFNAGEL et al, 2019; WHO, 2018; LANDRIGAN et al, 2016); infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico (o popular “derrame”), desenvolvimento de doenças degenerativas como demências e Parkinson, entre outros danos (HADAD et al, 2020; HYSTAD et al, 2020; GBD, 2017; BROOK et al, 2010). Os agentes poluentes também estão relacionados ao desenvolvimento de agravos à saúde mental, como apontam muitos estudos, tais como aumento nos casos de depressão, ansiedade e suicídio (BRAITHWAITE, et al 2019; ROBERTS et al, 2019; BUOLI et al, 2018; GLADKA et al, 2018). Importante ressaltar o grande custo para os cofres públicos relacionado ao aumento de atendimentos de saúde nas emergências e consultas em decorrência do aumento de poluentes no ar gerados pela mina. 

Estudo robusto envolvendo múltiplos países e publicado em relevante revista médica demonstrou que o aumento discreto de poluentes (especial PM  2,5) aumenta nos dois dias subsequentes a mortalidade geral, mortalidade por doenças pulmonares e mortalidade por causas cardiovasculares (LIU et al, 2019). Recentemente, outro estudo importante demonstrou que 15% das mortes por covid-19 tiveram contribuição da poluição do ar (POZZER et al, 2020).

Segundo a Sociedade de Genética Médica, diversas pesquisas relatam danos ao DNA decorrentes de atividades relacionadas à mineração de carvão. Estes danos ao DNA podem estar associados ao desenvolvimento de diversos tipos de câncer e de uma série de doenças crônicas, como as inflamatórias, as endócrinas (GBD, 2017), entre outras, assim como também podem acarretar disfunções ao desenvolvimento do embrião durante uma gestação e baixo peso ao nascimento (HU et al, 2020; GASKINS et al, 2019; MIRI et al, 2019; STINGONE et al, 2019; JUREWICKZ et al, 2018; WEI et al, 2016; KVIKTO et al, 2012; LEITE et al, 2001).

E quais os danos causados ao Meio Ambiente? Os agravos ao meio ambiente serão percebidos através da destruição generalizada da fauna e da flora local, do esvaziamento de um grande aquífero, da acidificação e contaminação do Rio Jacuí com metais pesados - o qual supre Porto Alegre e a região metropolitana com a água que chega até as residências da população (é a água que você bebe e utiliza para as tarefas domésticas) - bem como irriga diversas plantações, em especial as de arroz orgânico da região - entre outros. Sugerimos assistir às palestras disponíveis no YouTube do Dr. Rualdo Menegat, professor de Geografia da UFRGS, sobre os danos sofridos pelo meio ambiente.

Com este breve ensaio, se espera que a população possa ser alertada a respeito do considerável risco que corre ao ser exposta a este empreendimento, e que, a partir daí, se una em prol do adequado esclarecimento de todos, bem como, auxiliar na cobrança de atitude pró-ativa das entidades envolvidas.

 

Sugerimos a visita ao nosso website, medicinaemalerta.com.br.  

Referências principais:

⦁ GBD 2017. Risk Factor Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990–2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. The Lancet, vol 390, p. 1345-1422, Sep 2017. Available from: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2817%2932366-8

⦁ LIU, C; CHEN, R; SERA, F, et al. Ambient Particulate Air Pollution and Daily Mortality in 652 Cities. N Engl J Med, vol 381, n. 8, p. 705-715, Aug 2019. Available from: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa1817364;

⦁ POZZER, A; DOMINICI, F; HAINES, A, et al. Regional and Global Contributions of Air Pollution to Risk of Death from COVID-19. Cardiovascular Research, vol 116, n. 14, p. 2247-2253, Dec 2020. Available from: https://academic.oup.com/cardiovascres/article/116/14/2247/5940460;


Todas referências:

⦁ AZARPAZHOOH, M.R; HACHINSKI, V. Air pollution: A silent common killer for stroke and dementia. International Journal of Stroke, vol 13, n. 7, p. 667-668, Jul 2018. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1747493018784476?url_ver=Z39.882003&rfr_id=ori%3Arid%3Acrossref.org&rfr_dat=cr_pub++0pubmed&;

⦁ BRAITHWAITE, I; ZHANG, S; KIRKBRIDE, J.B; et al. Air Pollution (Particulate Matter) Exposure and Associations with Depression, Anxiety, Bipolar, Psychosis and Suicide Risk: A Systematic Review and Meta-Analysis. Environ Health Persp, vol 127, n. 12, p. 126002, Dez 2019. Available from: https://ehp.niehs.nih.gov/doi/10.1289/EHP4595?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed;

⦁ BROOK, R; RAJAGOPALAN, S; POPE; et al. Particulate Matter Air Pollution and Cardiovascular Disease. An Update to the Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation, vol 121, p. 2331-2378,2010. Available from: https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIR.0b013e3181dbece1url_ver=Z39.882003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed

⦁ BUOLI, M; GRASSI, S; CALDIROLA, A; et al. Is There a Link Between Air Pollution and Mental Disorders? Environ Int, vol 118, p. 154-168, Sep 2018. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0160412018305932?via%3Dihub;

⦁ GASKINS, A.J; MINGUEZ-ALARCON, L; FONG, K.C, et al. Exposure to Fine Particulate Matter and Ovarian Reserve Among Women from a Fertility Clinic. Epidemiology, vol 30, n. 4, p. 486-491, 2019. Available from: https://journals.lww.com/epidem/Abstract/2019/07000/Exposure_to_Fine_Particulate_Matter_and_Ovarian.4.aspx;

⦁ GBD 2017. Risk Factor Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990–2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. The Lancet, vol 390, p. 1345-1422, Sep 2017. Available from: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2817%2932366-8;

⦁ GLADKA, A; RYMASZEWSKA, J; ZATONSKI, T. Impact of Air Pollution on Depression and Suicide. Int J Occup Med Environ Health, vol 31, n. 6, p. 711-721, Dec 2018. Available from: http://ijomeh.eu/Impact-of-air-pollution-on-depression-and-suicide-a-review-article-,84931,0,2.html;

⦁ HAHAD, O; LELIEVELD, J; BIRKLEIN, F; et al. Ambient Air Pollution Increases the Risk of Cerebrovascular and Neuropsychiatric Disorders through Induction of Inflammation and Oxidative Stress. International Journal of Molecular Sciences, vol 21, n. 12, p. 4306, Jun 2020. Available from: https://www.mdpi.com/1422-0067/21/12/4306;

⦁ HU, C.Y; HUANG, K; FANG, Y.; et al. Maternal air pollution exposure and congenital heart defects in offspring: A systematic review and meta-analysis. Chemosphere. vol 253, p. 1266-1268, Apr 2020. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0045653520308614?via%3Dihub;

⦁ HYSTAD, P.; LARKIN, A; RANGARAJAN, S; et al. Associations of outdoor fine particulate air pollution and cardiovascular disease in 157 436 individuals from 21 high-income, middle-income, and low-income countries (PURE): a prospective cohort study. The Lancet Planetary Health, vol 4, n. 6, p. e235-e245, Jun 2020. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/s2542-5196(20)30103-0;


⦁ JUREWICZ, J; DZIEWIRSKA, E; RADWAN, M, et al. Air pollution from natural and anthropic sources and male fertility. Reprod Biol Endocrinol, vol 16, n. 1, p. 109, Dec 2018. Available from: https://rbej.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12958-018-0430-2;

⦁ KVIKTO, K; BANDINELLI, E; HENRIQUES, J.A; et al. Susceptibility to DNA damage in workers occupationally exposed to pesticides, to tannery chemicals and to coal dust during mining. Genet Mol Biol, vol 35, n. 4, p, 1060-1068, 2012. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3571421/;


⦁ LANDRIGAN, P.J. Air pollution and health. The Lancet, vol 2, n. 1, p. e4-e5, Nov 2016. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lanpub/article/PIIS2468-2667(16)30023-8/fulltext#articleInformation;


⦁ LEITE, J.C.L.L; SCHULER-FACCINI, L. Defeitos Congênitos em uma Região de Mineração de Carvão. Rev Saúde Pública [online], vol 35, n. 2, p. 136-141, 2001. Available from: https://www.scielo.br/j/rsp/a/D7SSDq5wvYsdncRmMk8StfN/abstract/?lang=pt;

⦁ LIU, C; CHEN, R; SERA, F, et al. Ambient Particulate Air Pollution and Daily Mortality in 652 Cities. N Engl J Med, vol 381, n. 8, p. 705-715, Aug 2019. Available from: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa1817364;

⦁ MEDICINA em alerta. 2020. Disponível em: https://medicinaemalerta.com.br/sobre/ 

⦁ MENEGAT, Rualdo. O lado escuro do carvão: a mina Guaíba e seus impactos ambientais. In: 3º SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE SAÚDE PLANETÁRIA, 3, 2019, Porto Alegre: UFRGS/Instituto de Geociências, Gerência de Ensino e Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição (GEP/GHC), 2019.   Porto Alegre: [s.n.], 2019. 1 vídeo (30 min) Disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=HTjZFeqw0H8 Acesso em: 29 set. 2021. 

⦁ MIRI, M; NAZARZADEH, M; ALAHABADI, A, et al. Air pollution and telomere length in adults: A systematic review and meta-analysis of observational studies. Environ Pollut, vol 244, p. 636-647, Jan 2019. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S026974911831073X?via%3Dihub;

⦁ MYLLYVIRTA, L. Quantifying the Economic Costs of Air Pollution from Fossil Fuels. Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA), Fev 2020. Available from: https://energyandcleanair.org/wp/wp-content/uploads/2020/02/Cost-of-fossil-fuels-briefing.pdf


⦁ POZZER, A; DOMINICI, F; HAINES, A, et al. Regional and Global Contributions of Air Pollution to Risk of Death from COVID-19. Cardiovascular Research, vol 116, n. 14, p. 2247-2253, Dec 2020. Available from: https://academic.oup.com/cardiovascres/article/116/14/2247/5940460;


⦁ PRUSS-USTUN, A; DEVENTER, E. V; MUDU, P, et al. Environmental risks and non-communicable diseases. BMJ, vol 364, p. I265, Jan 2019. Available from: https://www.bmj.com/content/364/bmj.l265.long;


⦁ ROBERTS, S; FISCHER, H.L. Exploration of NO2 and PM2.5 Air Pollution and Mental Health Problems Using High-Resolution Data in London-Based Chilren From a UK Longitudinal Cohort Study. Psychiatry Res, vol 272, p. 8-17, Feb 2019. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S016517811830800X?via%3Dihub;


⦁    SCHRAUFNAGEL, D.E; BALMES, J.R; COWL, C.T, et al. Air Pollution and Noncommunicable Diseases: A Review by the Forum of International Respiratory Societies’ Environmental Committee, Part 1: The Damaging Effects of Air Pollution. Chest, vol 155, n.2, p. 409-416, Feb 2019. Available from: https://journal.chestnet.org/article/S0012-3692(18)32723-5/fulltext;


⦁ STINGONE, J.A; LUBEN, T,J; SHERIDAN, S.C, et al. Associations between fine particulate matter, extreme heat events, and congenital heart defects. Environ Epidemiol, vol 3, n. 6, p. e071, Dec 2019. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7004451/;

⦁ WEI, H;  LIANG, F; MENG, G, et al. Redox/methylation mediated abnormal DNA methylation as regulators of ambient fine particulate matter-induced neurodevelopment related impairment in human neuronal cells. Sci Rep, vol 14, n. 6, p. 334002, Sep 2016. Available from: https://www.nature.com/articles/srep33402;


⦁ WHO. Exposure to ambient air pollution from particulate matter for 2016. World Health Organization, Apr 2018. Available from: https://www.who.int/airpollution/data/AAP_exposure_Apr2018_final.pdf?ua=1.

Artigos | Revista da Astec  v. 21 n. 48 outubro 2021.  

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