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Envelheço na cidade

Fonte: Canva

Sergio Luiz Valente Tomasini

Sergio Luiz Valente Tomasini
Professor do Departamento de Horticultura e Silvicultura da UFRGS.  Ministra disciplinas sobre projeto de paisagismo para os cursos de Agronomia e Arquitetura e Urbanismo. Trabalha na equipe editorial da Revista de Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento da UFRGS - Autor convidado.

Coincidência ou não, recebi o convite da Revista da Astec para escrever o presente artigo logo após apresentar uma palestra para a Universidade Aberta para Pessoas Idosas (Unapi), programa de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) voltado à educação continuada de idosos, à intergeracionalidade e à formação de recursos humanos em envelhecimento humano. Tomo a liberdade, portanto, de recorrer àquela experiência para orientar as reflexões que desejo compartilhar com o leitor neste espaço.

O título da palestra, “Envelhecer bem onde eu vivo: adaptar-me ao ambiente ou adaptá-lo à mim?”, tinha o objetivo de provocar uma conversa com o público de pessoas com mais de 60 anos sobre possíveis dificuldades identificadas na experiência de se envelhecer na cidade, bem como alternativas para superá-las. Embora saibamos que a cidade é comumente percebida como um ambiente hostil para quem envelhece, esse sentimento raramente é compartilhado publicamente, pois, afinal, reconhecer um problema significa se identificar com ele e ninguém gosta de ser associado a uma imagem tão negativa da velhice como aquela que se apresenta em nossa sociedade contemporânea. E, enquanto nos esquivamos de falar sobre o tema, ele segue carecendo da adesão social necessária para influenciar o processo de construção da cidade, de maneira a torná-la concretamente inclusiva e não apenas uma ilustração bonita para o discurso político.

Assim, concordando com meu colega de universidade, prof. Johannes Doll, entendo que precisamos promover (urgentemente) um amplo processo de educação para o envelhecimento em nossa sociedade (DOLL; KOHLRAUSCH, 2024).  Não vou repetir aqui dados demográficos sobre o rápido envelhecimento da população brasileira, pois eles são amplamente conhecidos e difundidos pela mídia, mas recorro a esse fenômeno para lembrar o quanto ele deve impactar a forma como planejamos e construímos as nossas cidades. Com isso, quero também dizer que esse impacto precisa ter uma resposta na formação e atualização de profissionais das áreas de planejamento e projeto do ambiente construído, através de uma aproximação com o campo interdisciplinar da gerontologia.

Para dar conta de tal aproximação, podemos encontrar subsídios teóricos e empíricos muito sólidos no subcampo da gerontologia ambiental, ainda muito pouco conhecido no Brasil, infelizmente, mesmo pelos profissionais das áreas da saúde e assistência social, mais familiarizados com o paradigma gerontológico. Muito dos resultados da produção científica do mesmo influenciou, direta ou indiretamente, o desenvolvimento de manuais, normas técnicas e mesmo políticas públicas voltadas à acessibilidade urbana e à regulamentação do funcionamento de habitações coletivas para pessoas idosas (como instituições geriátricas) mundo afora, inclusive, no Brasil, quase sempre, sem que saibamos de sua origem. Para seguirmos com a reflexão proposta neste artigo, portanto, vale a pena fazermos uma breve visita aos principais conceitos que orientam as atividades deste subcampo.

A gerontologia ambiental se concentra sobre a descrição, explicação e modificação (ou otimização) das relações entre as pessoas idosas e seus contextos socioespaciais (WAHL e WEISMAN, 2003 apud TOMASINI, 2008).  Um dos modelos teóricos mais influentes da gerontologia ambiental, até os dias de hoje, ficou conhecido como “modelo da pressão-competência”, ou, ainda, “modelo ecológico” (LAWTON e NAHEMOW, 1973 apud TOMASINI, 2008), e foi sintetizado por seus autores na forma do gráfico abaixo (Figura 1).

Figura 1 - Modelo da Pressão-Competência

Figura 1 - Modelo da Pressão-Competência

Fonte: LAWTON, 1982 (adaptado por TOMASINI, 2008)

De acordo com esse modelo, à medida que as pessoas envelhecem e têm suas competências reduzidas, os ambientes passam a exercer uma pressão maior sobre seu comportamento. Em outras palavras, o conceito central da teoria é o nível de adaptação, mediado entre a competência do indivíduo e a pressão exercida pelo ambiente sobre ele. Assim, cada indivíduo teria um nível ou zona de demanda ambiental, que sendo atendida, poderia conduzir ao alcance de níveis ideais de ajustamento, conforto e desempenho (comportamento adaptativo). Caso contrário, quando a demanda sai do ideal, seja para mais ou para menos, aconteceria o comportamento menos eficiente (comportamento mal-adaptativo ou disfuncional) (MOORE et al, 2003; SCHWARZ, 2003 apud TOMASINI, 2008).

Embora o modelo da pressão-competência hoje nos pareça demasiadamente determinístico, ainda podemos identificá-lo como a base de teorias mais recentes da gerontologia ambiental, que se encarregaram, sobretudo, de refinar os seus conceitos ao longo das últimas décadas. Olhar para o mesmo, portanto, ainda nos inspira a pensar soluções que possam nos ajudar a envelhecer com mais qualidade de vida, seja na nossa experiência pessoal ou coletiva.

No âmbito pessoal, podemos empreender esforços para preservar e mesmo potencializar as nossas competências pessoais de muitas formas, como praticar atividades físicas com regularidade, alimentar-se de forma mais consciente e saudável, criar e manter ativos vínculos sociais e afetivos, enfim, toda aquela gama de recomendações veiculada com tanta frequência pela mídia. Sobre o nosso ambiente de vida mais imediato, nossa habitação, também podemos ter alguma autonomia e oportunidade de intervenção para tornar a nossa vida mais fácil. Mas, para identificarmos barreiras ambientais que podem nos causar prejuízos nesse sentido, como um degrau inconveniente que desestimula a querer sair de casa ou o comando giratório de uma torneira que poderia ser substituído por outro do tipo alavanca para não me causar dor, caso sofra de artrite, é preciso, antes de tudo, que reconheçamos nosso próprio processo de envelhecimento.

Parece simples, mas sabemos que não é, pois, como comentamos antes, o estigma da velhice segue sendo a maior de todas as barreiras.  Por isso, quando falávamos sobre a necessidade de uma ampla mobilização da sociedade para promover uma educação para o envelhecimento, estávamos nos referindo a um processo que deveria começar na educação infantil, passando pelos ensinos fundamental, médio e superior e chegando em iniciativas de educação continuada como a Unapi, voltadas a quem está no centro da experiência do envelhecimento.

E é a partir da expansão desse processo, creio, que possamos também transformar de forma mais efetiva nossa experiência coletiva de envelhecer. Para criarmos espaços físicos e sociais capazes de permitir e promover o necessário convívio entre gerações, ainda dependemos de muitos avanços no desenvolvimento e implementação de políticas públicas voltadas a esse fim, o que só pode ocorrer, sabemos, pela pressão política de uma sociedade consciente e mobilizada.

Para a vida concreta de uma parte muito expressiva de seus habitantes, Porto Alegre não é uma cidade inclusiva em muitos sentidos, mas também no que diz respeito às necessidades da pessoa idosa, embora tenha recebido o certificado de “Cidade Amiga da Pessoa Idosa” da OMS no ano de 2015. Isso foi o que ouvi, quase em uníssono, do público da palestra mencionada no início deste artigo como resposta à minha provocação. Dentro de uma perspectiva muito objetiva, nossa cidade ainda apresenta muitas barreiras à acessibilidade em espaços públicos, como a má conservação de calçadas ou a inadequação dos tempos de semáforo de pedestres para permitir a travessia segura daqueles que precisam se deslocar a passos mais lentos. Em perspectiva mais subjetiva, mas não menos importante, a cidade tem perdido, de forma muito acelerada e violenta, o patrimônio cultural edificado de seus bairros e, com isso, as referências na paisagem que permitem a conexão (histórica e afetiva) entre suas gerações de habitantes.

Enfim, penso que temos muito a aprender com quem está aí para nos contar como é envelhecer na cidade. Não é uma atitude inteligente para uma sociedade que envelhece com tanta rapidez quanto a nossa e que pretende viver de forma sustentável abrir mão de um recurso tão precioso. E se o envelhecimento parece ser uma realidade distante para muitos dos que nos lêem neste momento, eu gostaria de dar o meu próprio testemunho.

Quando comecei a estudar este tema, ainda não tinha trinta anos e imaginava que, quando chegasse aos sessenta, a cidade já teria superado as barreiras que eu podia identificar à época. Hoje, aos cinquenta e dois, percebo que a velocidade das transformações sociais é muito mais lenta do que o nosso próprio envelhecimento. Concluindo, gostaria de citar um pequeno trecho da música da banda Ira!, de cujo título me apropriei neste artigo e que fez grande sucesso em um passado não tão distante para meus companheiros de geração, que diz: - “essa vida é um jogo rápido, para mim ou pra você, mais um ano que se passa, eu não sei o que fazer”.

REFERÊNCIAS

DOLL, J.; KOHLRAUSCH, E. (Orgs.) Educação e envelhecimento: perspectivas e tendências. Porto Alegre: Cirkula, 2024. 590 p.  E-book. Disponível em:    https://online.fliphtml5.com/kfqsf/aaqn/#p=1. Acesso em: 30 out. 2024.

LAWTON, M. P. Competence, environmental press, and the adaptation of older people. The Gerontologist: New York, v. 22, n.4,  p.349–357, Springer 1982.  

 

TOMASINI, Sérgio Luiz Valente et al. Planning the Built Environment, Institutions and Aging In: Latin America Environmental Gerontology in Europe and Latin America: Policies and Perspectives on Environment and Aging 1th ed. New York: Springer, 2016. p. 259-275.  (International Perspectives on Aging, 13).  Disponível em:        https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-319-21419-1_14. Acesso em: 10 mar. 2025. 

TOMASINI, Sérgio Luiz Valente. Qualificação de Espaços Abertos em Instituições de Longa Permanência para Idosos. 2008.  Tese (Doutorado em Engenharia) – Escola de Engenharia.    Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/17026.  Acesso em: 16 out. 2023. 

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Artigos | Revista da Astec, v. 25, n. 53, abril 2025.

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