Porto Alegre e a Emergência Climática: Desafios e Caminhos Possíveis
Fonte: Freepik

Maurício Polidoro
Geógrafo, doutor em Geografia e Pós-Doutor em Saúde Coletiva, professor associado do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) - Campus Porto Alegre - Autor convidado.
Porto Alegre enfrenta um cenário de ameaças climáticas, com eventos extremos como as enchentes de maio de 2024 e ondas de calor intensas. Esses fenômenos impactam diretamente a população e a infraestrutura urbana, afetando de maneira desproporcional as áreas mais vulneráveis da cidade.
Para compreender melhor esses riscos, vale destacar o conceito de risco climático, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Esse risco é composto pela interação entre ameaças climáticas (eventos como enchentes e ondas de calor), exposição (presença de pessoas e infraestrutura em áreas suscetíveis) e vulnerabilidade (propensão das populações e sistemas a serem adversamente afetados, considerando fatores como condição socioeconômica e capacidade de adaptação). Em Porto Alegre, essa combinação tem se mostrado particularmente desafiadora, principalmente em regiões de maior densidade populacional, infraestrutura e urbanização precárias.
Como uma das respostas imediatas à catástrofe climática de 2024, a prefeitura instituiu o Programa Porto Alegre Forte e o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática, por meio do Decreto municipal nº 22.817/2024. Essas iniciativas representam esforços estruturados para reduzir os impactos de episódios como os das enchentes de 2024 e aumentar a resiliência da cidade. No entanto, a transição de planos e projetos para ações concretas permanece um desafio, e o debate sobre a resposta climática da cidade precisa envolver uma perspectiva multidisciplinar, intermunicipal e intersetorial, que contemple aspectos sociais, ambientais, políticos e econômicos para alcançar soluções eficazes e duradouras.
Figura 1: Vulnerabilidade de tempestades no município de Porto Alegre de acordo com as Regiões de Gestão do Planejamento.

Fonte: MARGULIS, Sérgio et al. (2023)
Apesar da criação do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática e do Fundo Municipal de Reconstrução e Adaptação (FMRAC), voltados para a coordenação de iniciativas de adaptação e recuperação de infraestrutura, a efetividade dessas ações é limitada pela falta de metas e indicadores precisos para o monitoramento e a avaliação. A centralização de funções que poderiam estar sob a responsabilidade de secretarias específicas da prefeitura, como Serviços Urbanos, Obras e Infraestrutura, Mobilidade Urbana, Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade e Habitação e Regularização Fundiária também levanta questionamentos sobre a governança e a eficiência desse modelo. Acredita-se que, ao invés de um novo órgão, a resposta para a questão climática de Porto Alegre seria potencializada com uma gestão integrada e um planejamento estratégico entre as secretarias, articulando ações concretas e mensuráveis para minimizar os efeitos e as incertezas da mudança do clima.
Para promover a resiliência climática em Porto Alegre, é essencial fortalecer a governança e o planejamento estratégico dentro da estrutura já existente, sem criar novas burocracias. O Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática deveria atuar como uma unidade de articulação e monitoramento intersetorial, coordenando esforços, enquanto as secretarias finalísticas assumiriam a execução das ações de adaptação. Essa abordagem evita sombreamentos institucionais e prioriza o uso eficiente dos recursos financeiros e humanos, especialmente em um contexto de austeridade fiscal e instabilidade econômica. Metas bem definidas, prazos estabelecidos, indicadores e a identificação de fontes de financiamento são fundamentais para garantir transparência e um monitoramento contínuo, permitindo ajustes rápidos e direcionados conforme necessário.
Outra área indispensável é o incentivo à agricultura urbana e à segurança alimentar. Iniciativas de hortas comunitárias, especialmente em áreas de baixa renda, não só promovem a segurança alimentar como também ajudam a minimizar o efeito das ilhas de calor, aumentar o escoamento das águas e preservar a biodiversidade. Esses projetos podem ser integrados às ações de valorização de áreas públicas como praças e áreas residuais urbanas, transformando espaços subutilizados em áreas produtivas e ambientalmente equilibradas. Além de fornecerem alimentos saudáveis, tais iniciativas possibilitam geração de renda e trabalho para a população.
A recuperação de áreas degradadas e a ampliação da arborização urbana são igualmente essenciais para enfrentar os impactos climáticos. Programas que priorizem o plantio de espécies nativas e de árvores que promovam conforto térmico e sequestrem carbono desempenham um papel importante na adaptação e mitigação da mudança do clima, especialmente em regiões urbanas densas como os bairros Farrapos, Humaitá, Navegantes, São Geraldo, Floresta, Centro Histórico e Lomba do Pinheiro. Essas áreas verdes contribuem para reduzir a temperatura, melhorar a qualidade do ar e aumentar a permeabilidade do solo, o que diminui o risco de enchentes. Finalmente, ao aliar a recuperação de áreas degradadas com espécies de valor alimentar ou medicinal, as iniciativas geram benefícios sociais, culturais e econômicos para as comunidades.
No setor de transportes, Porto Alegre precisa com urgência de um conjunto de metas e ações de transição energética para o transporte público, incluindo a eletrificação da frota para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Essa transição contribuiria significativamente para a sustentabilidade ambiental, diminuindo a poluição e promovendo um transporte mais limpo.
Para concluir, é fundamental incentivar construções sustentáveis por meio de políticas públicas que incentivem o uso de tecnologias de eficiência energética, como telhados verdes, painéis solares e sistemas de captação de água da chuva. Esses incentivos poderiam ser aplicados por meio de descontos no IPTU, estimulando proprietários a adotarem tais práticas, o que aliviaria a pressão sobre os recursos naturais e contribuiria para uma infraestrutura habitacional mais preparada para enfrentar a mudança do clima. Além disso, políticas de regularização fundiária que integrem práticas ecológicas podem beneficiar ocupações urbanas e áreas reivindicadas por povos indígenas e quilombolas, promovendo inclusão social, etnoturismo, preservação cultural e uma melhor adaptação aos desafios da mudança do clima nesses territórios.
Em suma, este texto é um exercício de reflexão sobre os desafios e caminhos possíveis para uma Porto Alegre resiliente frente à emergência climática. Com uma rica rede de instituições de ensino e uma sociedade civil organizada, a cidade possui um potencial significativo para liderar a transição para um novo paradigma. Que este debate inspire ações conjuntas e soluções inovadoras, envolvendo todos os setores, em busca de uma cidade mais justa, sustentável e preparada para os desafios impostos pela mudança do clima.
REFERÊNCIAS
INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. IPCC Glossary Search. Disponível em: <https://apps.ipcc.ch/glossary/>. Acesso em: 26 nov.2024 Nota: Glossário do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
MARGULIS, Sérgio et al. Plano de Ação Climática de Porto Alegre P01 – Plano de Trabalho Prefeitura Municipal de Porto Alegre Versão 2.0; PMPOA23a, P3 – análise de riscos e vulnerabilidades climáticas. S.l.: Banco Mundial, Porto Alegre: Prefeitura Municipal/Smamus, 2023. 203 p. Disponível em: https://mail.google.com/mail/u/0/#inbox/FMfcgzQXKNFKRmGbqlMNDttBRMbGrmpr?projector=1&messagePartId=0.1. Acesso em: 10 mar. 2025.
PORTO ALEGRE. Decreto nº 22.817, de 24 de julho de 2024. Dispõe sobre o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre e o Fundo Municipal de Reconstrução e Adaptação Climática (FMRAC), criados pela Lei Complementar nº 1.016, de 4 de julho de 2024. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/decreto/2024/2282/22817/decreto-n-22817-2024-dispoe-sobre-o-escritorio-de-reconstrucao-e-adaptacao-climatica-de-porto-alegre-e-o-fundo-municipal-de-reconstrucao-e-adaptacao-climatica-fmrac-criados-pela-lei-complementar-n-1016-de-4-de-julho-de-2024?q=22.817. Acesso em: 24 nov. 2024.
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