
Grau de centralidade do OP e capacidade estatal no governo municipal de Porto Alegre

E-mail: adriafur@gmail.com – Adriana Furtado Pereira da Silva
Assistente Social – CRESS 10º Região – 04197 – SMPG
Mestre em Políticas Sociais e Serviço Social pela UFRGS.
Assessora de governança da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão da PMPA.
O Orçamento Participativo (OP) de Porto Alegre, com mais de 30 anos de existência, ajudou a ampliar as fronteiras da democracia representativa, inserindo um espaço de participação direta. Esse espaço contribuiu para a redução do elitismo e da desigualdade social por meio de sua capacidade redistributiva (MARQUETTI, 2003), favorecendo, ainda que com certa heterogeneidade entre os participantes, a formação de uma consciência de cidadania crítica e a construção de uma cultura democrática (FEDOZZI, 2008).
Trata-se de umas das tentativas mais significativas de “democratizar a democracia” (SANTOS, 2002) no âmbito de um projeto contra hegemônico (FEDOZZI, 2015), influenciou outras cidades do Brasil e do mundo. Inerente a processos longevos, a renovação, a reinvenção e novas problemáticas que surgem no decorrer do tempo são desafios permanentes. A importância do lugar ocupado na gestão local são questões que auxiliam a pensar na sua trajetória, continuidade e efetividade.
Considerado uma instituição participativa, o OP é constituído no momento em que o Estado reconhece a participação com preceitos e normas estabelecidas. A institucionalização é dependente da vontade e do compromisso político do governo, bem como, da capacidade estatal de produzir resultados (obras e serviços públicos) originados na participação (BORBA, 2011).
A centralidade que tem pode ser expressa no quanto o orçamento do município é comprometido para esse processo, quanto é investido e qual foi o percentual de demandas atendidas. Isto auxilia a compreender o grau de compromisso dos governos com o processo participativo.
Gráfico 1 – Percentual do Valor destinado ao Orçamento Participativo sobre Orçamento Global da Prefeitura Municipal de Porto Alegre 1995-2016

Fonte: PORTO ALEGRE. PMPA (2018)
Nota explicativa: Dos dados relacionados ao orçamento, só foi possível recuperar as informações a partir de 1995, tendo em vista a indisponibilidade dessas informações dos anos anteriores nas fontes pesquisadas.
No Gráfico 1, apresenta-se o valor destinado ao OP do Orçamento da Prefeitura, considerando o orçamento global e não só ao item de investimento. Isso porque, o Plano de investimentos (PI) do OP não tem como origem somente a rubrica de investimentos, mas também a de serviços e subvenções. Há demandas que são para a criação de serviços de saúde como também, os recursos que provêm da rubrica relacionada às subvenções para os convênios.
Observa-se, no Gráfico 1, que o maior valor encontrado é o do início da série, em 1995, com 15,4% do orçamento municipal destinado ao OP. De 1996 para 1997, há uma queda de 56% neste recurso, mas em 1998 já se recupera com uma destinação de 13,8% . Como consequência da crise financeira do município, no início dos anos 2000, e a decorrente diminuição da capacidade de investimentos, há uma queda de 2000 para 2001 de 61% do valor, não se recuperando mais, chegando em 2009 ao pior percentual da série (0,9%).
Cabe salientar, o valor de 5% destinado em 2012, depois de anos em patamares inferiores a 1,5%. Este aumento deve-se ao PI de 2012, que foi diferente de todos os outros, quando foram incluídas as demandas que não haviam sido executadas desde que o OP iniciou na cidade, como também foram incluídas as obras de mobilidade para a Copa do Mundo de Futebol de 2014.
As demandas aprovadas que constam nos Planos de Investimento traduzem o que o governo planejou e se programou para realizar. Os PIs são a garantia e o instrumento de cobrança por parte dos participantes. A efetividade do processo depende da capacidade de execução física e orçamentária do governo às demandas acertadas.
Gráfico 2 – Número de demandas do OP de Porto Alegre - Total, concluídas, pendentes e % de conclusão, de 1990 a 2016.

Fonte: OBSERVAPOA (2017)
O maior número de demandas é encontrado no ano 2012 (568 demandas), seguido de 1992 (513 demandas) e o menor (116 demandas) em 1991. A média de demandas por ano é de 343. Como já foi referido, o ano de 2012 foi atípico, pois o número refere-se também a demandas resgatadas. No Gráfico 2, é possível observar a queda do percentual de execução das demandas chegando a 3,84% das demandas executadas em 2016. A tendência de queda no percentual de execução pode ser melhor compreendida considerando a complexidade de demandas que podem levar mais de um ano para ser realizadas. No entanto, no momento em que parte das demandas de um ano não são executadas ou iniciadas no ano seguinte, vai se criando um passivo que enfraquece o processo e desanima os participantes.
A pressão e mobilização dos que participam do OP para formulação e inclusão das demandas é a primeira parte do processo participativo. Há a necessidade também de mobilizar para que a execução aconteça, como referido nas entrevistas realizadas com líderes comunitários.
Os dados do Gráfico 2 apresentam o grau de importância que o OP vai experimentando nos governos, no que concerne à garantia de orçamento do que foi planejado. Os dados do Gráfico 2 apresentam, numericamente, as demandas e auxiliam a compreender a capacidade que o governo tinha em atender especificamente o que foi demandado. No entanto, o valor e a complexidade de cada demanda variam muito. Assim, outra informação relevante para compreender o grau de importância do processo para determinada gestão é o valor que foi investido, como apresenta o Gráfico 3.
Gráfico 3 – Percentual do valor investido no OP com relação ao valor destinado no Plano de Investimentos

Fonte: PORTO ALEGRE. PMPA (2018)
O Gráfico 3 apresenta o valor que realmente foi aplicado no OP, com relação ao valor garantido no Plano de Investimento. São apresentados os valores gerais disponíveis, não foi viável saber em qual demanda foi aplicado o recurso. Aqui, a ideia é ter uma proxy de planejado versus investido, indica uma discrepância entre os valores, como também, um esforço dos governos em executar as demandas pendentes em períodos. anteriores. Há momentos cujo investimento é inferior a 50% do comprometido no PI. Chama a atenção o ano de 2008, quando foi aplicado somente 19% do valor.
Com relação aos temas ou setores de políticas públicas demandadas pelo OP de Porto Alegre, observa-se que do total de 9.268 demandas solicitadas até 2016, ao agregar as mais requeridas constantes na Tabela 1, percebe-se que 53% correspondem ao saneamento, habitação e pavimentação.
Quanto à execução, nota-se que o saneamento ambiental2, o saneamento3 e a mobilidade urbana têm mais de 90% de demandas entregues à população. Já a assistência social, cultura e outros têm menos de 50%. Habitação, que está entre os setores mais demandados na história do OP, tem somente 55% das suas demandas concluídas.
Tabela 1 - Demandas do Orçamento Participativo segundo temática, total e por situação, - 1989 a 2016

Fonte: OBSERVAPOA (2017)
Conforme apresentado na Tabela 1, o percentual de execução das demandas relacionadas a temática de assistência social é de 45,34%, o mais baixo entre todas as temáticas.
O valor destinado ao OP sobre o orçamento global apresenta queda desde 2009, com valores que chegaram ao máximo de 5%. O percentual de conclusão das demandas também está com tendência de queda, já o percentual do valor investido com relação ao valor destinado no Plano de Investimento demonstra que, em alguns anos, se tem buscado executar as demandas que permaneciam pendentes. Observa-se que há períodos em que foi investido menos do que o valor previsto no Plano de Investimentos, o que gerou um passivo de demandas.
Os dados apresentados indicam que o lugar do OP nos governos variou no período de forma significativa e seu enfraquecimento é consequência desse processo que envolve crise financeira, vontade política e poder de pressão dos participantes.
Acrescenta-se a isso, a necessidade de um desenho institucional que contenha além das normas e critérios técnicos já previstos no Regimento Interno, uma estrutura burocrática. O OP de Porto Alegre tem sido promovido basicamente por quadros políticos das gestões, não sendo investido no que poderia fornecer a continuidade do processo ao fim de uma gestão, tornando-se fortemente dependente da vontade política do gestor da ocasião e da capacidade pressão popular. Assim, uma estrutura interna de servidores de carreira dedicado a participação poderia contribuir para a transformação de uma proposta programática de um governo a uma política pública de participação.
Referências
BORBA, J. Participação política como resultado das instituições participativas: oportunidades políticas e o perfil da participação. In: PIRES, R. R. C. (org.) Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília, Ipea, 2011a, v.7, 372 p. (Diálogos para o desenvolvimento).
FEDOZZI, L. O eu e os outros. Participação e construção da consciência social. Porto Alegre: Tomo Editorial e Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional-IPPUR/Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, 2008.
FEDOZZI, L.; MARTINS, A. Trajetória do Orçamento Participativo de Porto Alegre: representação e elitização política. Lua Nova, São Paulo, 95: 181-223, 2015.
MARQUETTI, A. Participação e Redistribuição: o Orçamento Participativo em Porto Alegre. In: AVRITZER, L (Org.);
NAVARRO, Z. (Org.). A inovação democrática no Brasil. São Paulo: Cortez Editora2003. v. 1, p. 129-156.,
SANTOS, B. (ORG.) Democratizar a Democracia: os caminhos da Democracia Participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
OBSERVAPOA. In: Seminário Porto Alegre em Análise - Orçamento Participativo de Porto Alegre. (5, 2017, Porto Alegre). Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatorio/usu_doc/apresentacao-v_seminario.pdf Acesso em: 17 jan. 2019.
PORTO ALEGRE (RS) Prefeitura Municipal. Relatórios do Sistema de Gerência Orçamentária. Porto Alegre 2018. Acesso restrito.
SILVA, Adriana F. P. da. Orçamento participativo e política de assistência social no município de Porto Alegre: as associações de moradores entre a reivindicação e a execução da política de assistência social. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Psicologia, UFRGS, Porto Alegre, RS, 2019. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/200826 Acesso em: 6 jan. 2021